sábado, setembro 19, 2015

Who wants to live forever - ou o dia em que chorei

- Obrigada por ter vindo!
- Obrigada pelo carinho!
- Não, não é o enterro da mãe do Carlos. Sim, obrigada pelos sentimentos! (Juro!)
- Helena, se não fizer a lição não vai na festa!

Esses foram os diálogos do enterro da mamãe, naquele cinco perdido de maio, 2012. Até hoje tenho flashes de como foi o dia, da briga que comprei no cortejo por ter um carro parado no caminho, motorista e transeunte atualizando a conversa (Obrigada, Fábio Vaz, por ter apartado e me tirado de lá: disso lembro), da Helena correndo pelas sepulturas com meu cunhado (Wilson, obrigada por tudo e por sempre), nuvem rosa e loura. Lembro da Jana e da Ritinha me levando para ver um túmulo com faixa de Merry Christmas. Maio, relembro a vocês. Eu ri.

Sobre o enterro errado, minha irmã estava por lá, chegou uma senhora aos prantos, abraçou, deu os pêsames, perguntou pelo Carlos. Desfeito o  engano, pêsames reforçados, sobrou a história. 

Tudo feito, sensação de anticlimax, não conseguia chorar. Nada. Desde a hora em que fui avisada do fim, e fui a primeira, e dei a notícia para a vovó, não tinha vertido uma lágrima. Ainda tinha tentado ir gravar, pauta de sexta-feira numa feira de noivas, mas fui trazida à razão: o mundo não estava mais igual.

Estranho como a gente se dá conta de que a vida realmente continua. O sol nasce, tem engarrafamento, tem gasolina pra colocar no carro, tem gente produzindo... E você com aquela coisa engasgada, "parem, minha mãe morreu, como é que a vida continua normal para vocês?". E continua. Até para mim continuava, tinha que manter a normalidade para a filha não perceber e introjectar a dor Ocidental da morte. Vida que segue, filha, todo mundo vai morrer, faz sua lição e vai pra festa, sim.

E nada de chorar. Precisava desaguar, panela de pressão explode se não tiver um escape. 

Noite, sozinha, cartão de crédito no bolso, celular com música no outro, vou sair pra andar. Andei, andei, cansei, fui, voltei, nada, preciso. Respiração acelerada, mais pela expectativa, pela dor não vazada, pelo silêncio. Sento no Farol da Barra, e acesso a pasta de músicas dela. A saber, meu celular andava morto, numa tendência da temporada, e peguei o dela, com sua músicas, programações.
 

"T
here's no time for us
There's no place for us
What is this thing that builds our dreams
And slips away from us?

Eu assentei.

Sem sentir, deitei na grama do Farol da Barra, meio encolhida, mãos no rosto, sem lembrar onde estava, se tinha gente perto, e chorei aos haustos. No repeat da música, chorei todos os meses da doença, dos dias em que não achava força em mim, e sim na minha irmã, meu pai, ou na própria mamãe. Ou em lugar nenhum, e ainda sim estava lá, com ela consciente ou não, conversando, contando a vida, até brigando - éramos ela e eu, nunca deixamos de ser. Chorei pelo choro não chorado no enterro, pelas lágrimas que não caíram nos boletins diários da UTI, pelos dias sem ela que viriam, e que doeriam, como doem até hoje.

E como essas reminiscências vieram parar neste ponto? 

Show do Queen ontem no Rock in Rio. Só isso. Esse foi o fio do novelo.

Who wants to live forever?

Fiz as pazes com o Queen. Três anos depois, ouvi Who Wants to Live Forever? em paz. Sim, com muitas lágrimas, mas com mais paz do que tive nos últimos anos.

Crescer deve ser um misto disso, de paz e lágrimas coexistindo, de olhar pra frente com a visão menos turvada pela névoa da dor. Fiz questão de revisitara música para ter certeza de que o pior havia passado.

E sim. O pior já passou.

Eu acho.

Who wants to live forever?