quarta-feira, julho 04, 2012

Longa carta para alguém

Mãe,

 Se dissesse que foi ontem, seria mentira. Se dissesse que foi há uma vida, seria mentira também. Mentiras, e ambas muito verdadeiras. Foram dois meses estranhos, sabe? Se alguém me dissesse que seria assim, eu jamais acreditaria.

Dias muito longos, e o tempo insiste em se comportar do mesmo jeito de sempre: demora a passar para algumas coisas, voa para outras. Ando rabugenta (papai e Helga ririam, e já riram, dizendo "Anda? Você é!"), intolerante, fazendo bobagens, chorando de quando em quando, devastada.

Acho que não tenho mais vergonha de dizer que estou devastada. Passei um tempo pensando que deveria honrar tudo o que você nos ensinou com a minha serenidade, com respeito, com o saber viver. Quando a curva da estrada chegou, o que tinha sobrado de meu eram as chaves da sua casa, um vazio assustador, um abismo sem fim.

 Veja, não é um chamamento. Não é (voz cavernosa)"vooooooooolte, mamãaaae, não me deeeeeeixe!". Jamais. É mais um "putaquepariu,você deixou saudades!". É um assumir a minha susceptibilidade, é contar que dói, dói muito, mas eu sei que vai passar. Mas são dois meses hoje, mãe. São dois meses sem você me atormentar, dois meses sem brigar com você (e olha que a gente discutiu na sua UTI, e você sem voz!).

Passou meu aniversário, e a primeira coisa que lembrei naquele dia foi "ela não me ligou para gritar 'parabéns pra você' no meu ouvido". Passou o aniversário da Helga, e foi difícil igual pra ela. Eu sei.

 Dói de um jeito que eu nunca imaginei que fosse doer.

Eu trabalho, eu vivo, entrei para a BR nesse meio tempo, e ainda assim, parece que estou vivendo num aquário. Movimentos lentos, imagens distorcidas, e meio mundo olhando pra saber o meu próximo passo.

Meu próximo passo é viver. Do jeito que der, como for, vou viver. Abrindo caminho com facão, me divertindo quando dá — e cada dia mais vai dar mais um pouco —. me recolhendo quando precisa, escolhendo pessoas, situações. Vou vivendo.

Não posso dizer que a vida está ruim. Você não era eterna, e a gente sabia. Coisas legais aconteceram, e que bom que consegui ver.

 Me perguntaram o que eu pediria, se tivesse um pedido, qualquer pedido, para realizar. Nunca pedi pra você estar viva. Pedi só, como ainda peço, que você, de onde estiver, veja as coisas legais que a gente tem feito.

E que se orgulhe. Vivo pra isso, para te dar orgulhos imaginários.

 Love.

Um comentário:

Marina disse...

dani, escrevi um monte aqui, mas quando postei sumiu.
não consigo escrever de novo. eu sou chorona, demais e por qualquer coisa. mas hoje eu chorei porque meu coração apertou por vc.
seus sentimentos transformados em palavras são fortes e transmitem tanto...
só saiba mais uma vez que vc é forte e como vc disse, sua mãe, onde estiver está vendo tudo de legal que vcs tem feito.
venha passar uns dias em sp com a loirinha!
bjs!