quarta-feira, julho 11, 2012

Samba de uma nota só



Mamãe de novo.

 Talvez porque eu tenha ganhado de aniversário um porta-retratos de joaninha, e que tenha automaticamente colocado uma foto 3x4 dela. Horrível, como são os 3x4.

 Talvez porque os dias não fazem o menor sentido sem ela. Não consigo entender os dias de chuva, dias de sol, em que ela não participe do meu azedume, dos meus comentários ácidos.

 Talvez porque Helena não tenha digerido direito, e que, como eu, procure subterfúgios em histórias terceiras para poder justificar a dor, o acordar assustado de madrugada, os pesadelos. Exatamente como eu.

 Talvez porque ainda não tenham passado três meses, e que parece que a vida força passagem pra continuar, mesmo sem ela. E força. Concurso, apartamento, trabalho, contas, seguro contra incêndio, dias que nascem e morrem no mesmo continuum.

 Talvez porque as joaninhas estejam de casa nova, metade no meu pescoço, metade no pescoço da Helga. Talvez porque os pequenos objetos estejam sendo cuidados com especial zelo.

 Talvez porque a gente esteja se reorganizando, fazendo novos grupos, novas combinações de almoço, café da tarde, conversas. Talvez porque eu não tenha mais pra quem mostrar os horrendos pisos e azulejos das Loucas Aventuras Imobiliárias... que não existiriam se ela estivesse aqui.

 Talvez porque o atelier esteja uma bagunça, e que isso seja uma flagrante desobediência à sua ordem compulsiva. Talvez porque a Al esteja fazendo coisas deliciosas em artesanato, e que não consigamos desvincular esse talento da mamãe.

 Não sei. É o mesmo samba, samba que toca diariamente, mesmo que não ouçamos, mesmo que seja sempre a mesma música, calada ou com as mesmas frases.. É a ausência física da mamãe, das suas risadas, dos seus telefonemas atormentantes. É o não poder mais dividir as fofoquinhas e notícias, mesmo quando a primeira coisa que nos vem à mente é: "Preciso ligar pra mamãe AGORA pra contar isso.".

 É o voltar das quartas feiras de terapia sem ter chorado, sem ter tocado no ponto de tudo que me destrói hoje. É isso, mãe: passa, mas é isso.

 Morro cada dia um pouco de saudade de você. Morro, mas vivo mais um tanto.

Um comentário:

Unknown disse...

Tava dando uma geral nos itens compartilhados. Acabei chegando aqui mais uma vez. Fiquei alegre quando vi várias postagens! Caramba, o Shaggapress voltou!

Complicado foi perceber o motivo...

Força? Fé? Alegria? Vida que segue? Tudo isto você já tem e já sabe! Fica um abraço. Fico com esta cara de quem realmente não sabe o que dizer. Minha solidariedade, embora ineficaz, talvez o meu medo...
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Para de escrever mais não! Ou melhor, tá escrevendo aonde? O texto está muito bom! E não falo só do profundo sentimento dos últimos mas também dá sacada sensacional das empreguetes!
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Por aqui, na dúvida, corro! Corro muito! E não é que esta mania vai ajudar na minha vida?!

grande abraço,
Felipe Freitas