quinta-feira, novembro 22, 2012


Dorme tarde. Acorda cedo, corre, corre produz, atualiza agenda, telefone 1, 2, 3...n. Deporta filha pra almoçar no avô, alimenta o gato, senta, trabalha, trabalha, toma banho, externa, corre, corre, corre. Encaminha última entrevista, anda, anda, anda, pega ônibus, médico. Exame, "você é fumante?", marca bateria de testes, ônibus, corre, corre, casa do pai. Alimenta filha, gata, atualiza email, começa a trilhar matéria, pega todo mundo, casa. Filha no banho, notícias do freelance chega, Coca Zero, nenhum jornal na Tv. Cansaço.

E ainda não é o fim.

segunda-feira, setembro 24, 2012

Pela janela

Quando escolhi esse apartamento, o que me encantou de primeiro foi a janela.

Segundo andar, nascente, dava pra ver a lua nascendo, e talvez, num dia insône, o sol também. Posicionei estrategicamente o computador do lado dela, e daqui vi a vida passar.

 Já vi assaltos, brigas, aprendi a rotina dos vizinhos, e sim, vi dias sem fim nascendo, e luas incontáveis me ajudaram a levar o próximo dia adiante. Já me senti uma batata assada com o sol que entrava sem convite pelo vidro, e já morri torrada quando instalei as cortinas.

 Da minha janela conheci o vendedor de picolé, o chow chow — que tem um irmão schnauzer e um dono que morde —, ouvi o vendedor de gás ensaiando para a carreira artística, as velhinhas mimando o porteiro pop star. Me encantei com todos os céus plúmbeos que consegui ver daqui, já vi arco iris duplo, tempestades, dias baços — mesmo que baça fosse só minha alma. Já encostei a cabeça vezes sem fim neste vidro e chorei. Se vi o mundo da janela, muitas vezes o mundo me viu desabar e levantar.

Foi ao lado deste pórtico que me sentei e comecei a elaborar a morte da minha mãe. Foi olhando pra fora que a cabeça começou o lento e doloroso processo de entendimento. Foram as longas horas de olhares mais longos ainda que eu achei que estava melhorando, para depois achar que estava pior, para sacudir a cabeça e deixar pra lá. Tanto quanto mudei, mudou a vida lá fora.

Minha mãe viu o mundo pela minha janela, olhou um pouco da vida pelos meus olhos. Seu último ato nesta casa foi vir até aqui, cheia de dor, para me trazer cortinas de presente para a sala. Nunca as pendurei, vão ser inauguradas na casa nova, de onde vão acompanhar o próximo capítulo que se apresenta num futuro próximo. Quase como se fosse um pedacinho dela, os olhos dela me acompanhando nestas novas janelas. Quase como se mamãe pudesse, mesmo sem estar aqui, enxergar mais um pouquinho do que eu queria mostrar.

quarta-feira, agosto 22, 2012

Desvio de função

Era uma vez uma escova laranja. Linda.


Ela veio pra minha casa junto com a pá. Laranja. Linda.



Essa é a Helena, minha filha. Ela não é laranja, mas é linda. Tem sete anos, três dentes permanentes, uma janela e um molinho, pra cair.


No dia em que comprei a pá de lixo + escova, desembrulhei e só usei a pá. A escova, novinha, ficou na sala E Helena achou.


Elas se encontraram, criança e escova. Escova laranja, cabelo louro, e seguiram as duas felizes para sempre.

Ímpares ficamos nós, pá de lixo e eu, sozinha ela, sozinha eu.

terça-feira, agosto 21, 2012

Uma história de amor em imagens

Muitos anos de amor com esses portentos, e finalmente nos encontramos, os navios e eu. Estar embaixo de um ro-ro (o vermelho) é reverencial, é um sonho realizado, e um encontro de amantes à distância. Ele lá, passando pela minha janela todos esses anos, exibindo sua carapaça. Eu daqui, olhos que o seguiam baía adentro, apaixonados.

Hoje foi isso: um reencontro de amor, renovação dos votos de admiração, promessas sussurradas de fidelidade. Eu e meus navios, e uma alegria de bebê quando vê seu primeiro elefante.

(Clique nas imagens: elas ampliam, e estão lindas!)


sexta-feira, agosto 03, 2012

And after all... - 3 meses sem você, mãe


Tem três meses exatos desde que você morreu, mãe. O texto é o mesmo: dói como se fosse ontem, e o tempo se encarrega de deixar parecendo um ano passado.

Vamos sacrificar a cadela louca, Mabel. O problema neurológico dela se agravou, e chega de gente sofrendo, né? Difícil está sendo com Helena, porque foi um ano de muitas perdas, e Mabel será das mais importantes pra ela. Lidaremos, claro. Lidamos com D. Neide, com Andreza, com Nana, com você.

Você, mãe, que nem eu, adulta, espiritualizada, sabedora que sou da obrigação de morrer, nem eu consegui lidar. Três meses, e eu não consigo esquecer um dia sequer.

Nem precisa. Morrer não significa ser degredado. Morrer significa que aquele exemplo não pode mais se renovar. Não há novidades nas lições que você nos deixou. É repetir, repetir, repetir. E aprimorar, claro: a gente foi feita pra passar o rascunho a limpo, e criar um história baseada em fatos reais, mas muito, muito mais correta.

Não há um dia passando sem que o amor por você seja esquecido. Não houve um dia em que você não tivesse sido lembrada com um amor muito grande, e uma oração — às vezes nem tão grande assim —, e que a gente não tivesse desejado que seu caminho fosse o melhor.

Vida é isso, e a gente aprendeu da pior forma. Boas notícias vem, e vem justamente quando e porque você foi embora. Adoraria dividir as "Loucas Aventuras Imobiliárias de Daniela", queria te mostrar os azulejos bizarros, a academia de uma esteira só.... Mas isso só acontece porque sua história acabou cedo demais, e antecipou a minha.

Fim.

Que seja.

Feliz, feliz, feliz? Não. Mas não vou remoer tristeza por um longo tempo. Não é justo comigo, com a Helga, com o Papai. Com você. Dói, mãe, dói de um jeito louco, como achei que os dias de UTI me deixariam blindada. Dói hoje como doeu no dia, e acho que talvez muito mais.

Hoje estou mais concentrada a respeito da sua falta. Pedi muitas desculpas pelo meu comportamento leviano no seu enterro, mas era a minha defesa. Ainda é. Faço um monte de merda, e quando vou ver, ainda é sob sua égide. Não que isso desculpe: sou adulta, e desde sempre deveria me comportar como tal. São deslizes, escorregadelas estas que não vou nunca justificar para os poucos amigos da minha vida.

Sou isso. Sou covardia, sou disfarce numa noite de vinho, sou fraqueza, sou MUITA tristeza, sou reequilíbrio Sou cada dia mais um pouquinho, e cada dia melhor. Quero cada dia mais ser sua filha, mãe: sem temor, sem censura, respeitando. E que assim seja.



quarta-feira, julho 11, 2012

Samba de uma nota só



Mamãe de novo.

 Talvez porque eu tenha ganhado de aniversário um porta-retratos de joaninha, e que tenha automaticamente colocado uma foto 3x4 dela. Horrível, como são os 3x4.

 Talvez porque os dias não fazem o menor sentido sem ela. Não consigo entender os dias de chuva, dias de sol, em que ela não participe do meu azedume, dos meus comentários ácidos.

 Talvez porque Helena não tenha digerido direito, e que, como eu, procure subterfúgios em histórias terceiras para poder justificar a dor, o acordar assustado de madrugada, os pesadelos. Exatamente como eu.

 Talvez porque ainda não tenham passado três meses, e que parece que a vida força passagem pra continuar, mesmo sem ela. E força. Concurso, apartamento, trabalho, contas, seguro contra incêndio, dias que nascem e morrem no mesmo continuum.

 Talvez porque as joaninhas estejam de casa nova, metade no meu pescoço, metade no pescoço da Helga. Talvez porque os pequenos objetos estejam sendo cuidados com especial zelo.

 Talvez porque a gente esteja se reorganizando, fazendo novos grupos, novas combinações de almoço, café da tarde, conversas. Talvez porque eu não tenha mais pra quem mostrar os horrendos pisos e azulejos das Loucas Aventuras Imobiliárias... que não existiriam se ela estivesse aqui.

 Talvez porque o atelier esteja uma bagunça, e que isso seja uma flagrante desobediência à sua ordem compulsiva. Talvez porque a Al esteja fazendo coisas deliciosas em artesanato, e que não consigamos desvincular esse talento da mamãe.

 Não sei. É o mesmo samba, samba que toca diariamente, mesmo que não ouçamos, mesmo que seja sempre a mesma música, calada ou com as mesmas frases.. É a ausência física da mamãe, das suas risadas, dos seus telefonemas atormentantes. É o não poder mais dividir as fofoquinhas e notícias, mesmo quando a primeira coisa que nos vem à mente é: "Preciso ligar pra mamãe AGORA pra contar isso.".

 É o voltar das quartas feiras de terapia sem ter chorado, sem ter tocado no ponto de tudo que me destrói hoje. É isso, mãe: passa, mas é isso.

 Morro cada dia um pouco de saudade de você. Morro, mas vivo mais um tanto.

quarta-feira, julho 04, 2012

Longa carta para alguém

Mãe,

 Se dissesse que foi ontem, seria mentira. Se dissesse que foi há uma vida, seria mentira também. Mentiras, e ambas muito verdadeiras. Foram dois meses estranhos, sabe? Se alguém me dissesse que seria assim, eu jamais acreditaria.

Dias muito longos, e o tempo insiste em se comportar do mesmo jeito de sempre: demora a passar para algumas coisas, voa para outras. Ando rabugenta (papai e Helga ririam, e já riram, dizendo "Anda? Você é!"), intolerante, fazendo bobagens, chorando de quando em quando, devastada.

Acho que não tenho mais vergonha de dizer que estou devastada. Passei um tempo pensando que deveria honrar tudo o que você nos ensinou com a minha serenidade, com respeito, com o saber viver. Quando a curva da estrada chegou, o que tinha sobrado de meu eram as chaves da sua casa, um vazio assustador, um abismo sem fim.

 Veja, não é um chamamento. Não é (voz cavernosa)"vooooooooolte, mamãaaae, não me deeeeeeixe!". Jamais. É mais um "putaquepariu,você deixou saudades!". É um assumir a minha susceptibilidade, é contar que dói, dói muito, mas eu sei que vai passar. Mas são dois meses hoje, mãe. São dois meses sem você me atormentar, dois meses sem brigar com você (e olha que a gente discutiu na sua UTI, e você sem voz!).

Passou meu aniversário, e a primeira coisa que lembrei naquele dia foi "ela não me ligou para gritar 'parabéns pra você' no meu ouvido". Passou o aniversário da Helga, e foi difícil igual pra ela. Eu sei.

 Dói de um jeito que eu nunca imaginei que fosse doer.

Eu trabalho, eu vivo, entrei para a BR nesse meio tempo, e ainda assim, parece que estou vivendo num aquário. Movimentos lentos, imagens distorcidas, e meio mundo olhando pra saber o meu próximo passo.

Meu próximo passo é viver. Do jeito que der, como for, vou viver. Abrindo caminho com facão, me divertindo quando dá — e cada dia mais vai dar mais um pouco —. me recolhendo quando precisa, escolhendo pessoas, situações. Vou vivendo.

Não posso dizer que a vida está ruim. Você não era eterna, e a gente sabia. Coisas legais aconteceram, e que bom que consegui ver.

 Me perguntaram o que eu pediria, se tivesse um pedido, qualquer pedido, para realizar. Nunca pedi pra você estar viva. Pedi só, como ainda peço, que você, de onde estiver, veja as coisas legais que a gente tem feito.

E que se orgulhe. Vivo pra isso, para te dar orgulhos imaginários.

 Love.

segunda-feira, junho 25, 2012

Prazo de validade




O molho branco acabou. Acabaram também os sachets de tempero de feijão, os requeijões há mais tempo. O queijo Polenghi já virou um rastro de memória de um passado distante, mas o mesmo não se dá com os potes de Nutella: ainda existem, mas estão perto de expirar a validade.

Os macarrões cheios de frescura estão nas últimas, o creme de leite já era, e eu ri quando achei a última embalagem de leite condensado tetra pack: minha tentativa de fazer doce de leite cozido nesta embalagem de papelão rendeu bons dias de gargalhadas da mamãe. Por algum motivo misterioso, o alho picado e a cebola triturada ainda estão em perfeito estado de conservação, mas o mesmo não posso falar da goiabada cascão, que veio do Rio pra mim em novembro do ano passado. Hora de rearrumar a geladeira. Há dias me desfiz de um patê de presunto moribundo, que passou meses escondido embaixo do parmesão ralado — que ainda passa bem, a propósito.

Os azeites importados continuam lá, e como os apresuntados, ainda poderão estar comigo em 2015. O catchup não vai ficar por tanto mais tempo, mas acho que os molhos de tomate ainda hospedo por mais uns seis meses. Cada louco tem sua mania, e na minha casa pode faltar fósforo, mas nunca tem menos de 6 embalagens de molho. Ela sabia, e sempre fazia uma festa quando me avisava que novo carregamento estava a caminho.

Este poderia ser um texto sobre a desordem da minha vida, sobre a minha geladeira caótica, e tudo seria pertinente. Mas não é esta a natureza desse escrever de hoje. É uma constatação, mais uma, de que a cada dia a minha mãe me deixa mais um pouquinho. De que a cada dia ela ocupa um pedacinho a menos do meu cotidiano. 

Todo mês a mamãe ia ao um mercadão atacadista, e fazia uma caixinha pra mim, outra pra minha irmã, cheias de coisinhas supérfluas. Queijos, Nutellas, azeites, iogurtes, um monte de frescurinhas que compunham um ritual de descobrimento das compras: eu ligava pra ela e ia destrinchando o conteúdo, dando gritinhos, ameaçando não dividir com ninguém, pensando na receita que ia fazer. Desde que ela adoeceu, mal fomos ao mercado para o básico, que dirá para as bobaginhas. 

Cada produto que acaba, cada vencimento que se aproxima, é mais uma pequena morte, mais um mini choque da perda, por mais que eu ache que a transição está sendo tranquila. Não está. 

Me salvam os azeites, companheiros que vão me arrancar sorrisos pelos próximos 3 anos. Me salvam as cortinas, que ganhei de presente na última vez em que ela foi na minha casa, já doente, já com dor, já fazendo um esforço enorme para sair da cama. Mais do que isso: me salva a educação que ela deixou, as ferramentas que recebi para viver bem até sem ela, porque, óbvio, não somos eternos. Me salva saber que mamãe — e papai, course — me ensinou o caminho para poder eu mesma comprar meus queijos. 

********

Faço um esforço hercúleo para viver bem a cada dia, mas o luto faz parte, e isso eu tenho que introjectar. Muito tenho brigado comigo, muito me saboto, muito acho que não mereço as coisas e pessoas boas que tenho na vida. Mereço cada um dos meus amigos, mereço cada gentileza, sou uma pessoa legal. Tenho direito a ficar triste, sim, tenho direito de chorar quando preciso, tenho dever de viver cada etapa. Ao invés de vestir uma armadura, e saltitar que nem um elfo feliz, vou me dar ao luxo da introspeção, do retiro, do mimimi. 

E só a decisão de tentar já é uma vitória.

quarta-feira, junho 20, 2012

Drops

Faz o que com a irmã que fica ouvindo Marcelo Jene*ci com a sobrinha a.k.a. minha filha? É alguma deformação dos gens? ******** Eu espero o elevador com ascensorista para saber das fofocas da vida dela. Mesmo atrasada. ******** Baixando Miranda "iCarly" Cosgrove, e minha filha pergunta se sou adolescente. Mato? ******** Partindo para a terceira comemoração do meu aniversário, versão Mouraria.

terça-feira, junho 19, 2012

Diálogo com uma empreguete

Todo dia acordo cedo,
Moro longe do emprego 
Quando volto do serviço quero o meu sofá

Eu também acordo cedo, às vezes saio de casa 04 da manhã, passo o dia inteiro correndo de um lado pro outro, volto às duas do dia seguinte, e ainda tenho que madrugar para mais uma jornada. Mas é a profissão que tenho (e nem foi a que escolhi, mas isso é outra postagem), e se não tenho outra, vamos ser felizes assim mesmo.

Tá sempre cheia a condução 
Eu passo pano, encero chão 
A outra vê defeito até onde não há


É, minha querida, ônibus cheio é uma praga, mesmo. E eu, que depois da enésima tentativa de assalto ando tensíssima, de olho em cada gente esquisita que passa pela catraca? Se me parecer nervoso (a) demais, olhando muito para os lados, desço no ponto seguinte. Gasto o dobro pra chegar em casa, mas é melhor do que levarem meu celular querido. Sobre passar pano, encerar o chão... Veja bem: não são parte das atividades inerentes ao seu cargo? No meu trabalho, subir dunas correndo, descer esbaforida, não ter hora de almoço, não ter domingo, feriado, tudo isso faz parte do rol de atribuições. E a "outra", que suponho ser sua contratante, ver defeito em tudo, ora, quantos chefes não são assim, em diversas áreas?

 Queria ver madame aqui no meu lugar 
Eu ia rir de me acabar 
Só vendo a patroinha aqui no meu lugar 
Botando a roupa pra quarar

Taí o equívoco-mor da história toda: eu sou contratada para fazer um trabalho que os meus chefes não podem, não querem ou não tem tempo de fazer. Por que esse rancor de "queria ver você no meu lugar"? Como se colocar a roupa para quarar fosse tão desonroso que pudesse servir de vingança contra um superior hierárquico pentelho. Não é, não. NÃO EXISTE TRABALHO INDIGNO! Você tem um contrato para executar uma tarefa que eu não posso ou quero fazer. Tirar a mesa, lavar a louça, limpar o chão, nada disso reduz o valor de ninguém, do mesmo jeito que servir café, varrer a rua antes de um take ou almoçar sentada no meio fio não me diminuem.

 É muita vitimização, é falta de respeito por si e pelo seu trabalho. Essa postura subserviente revoltada não te leva a lugar nenhum, cara empreguete. O que te faz subir um degrau atrás do outro é a competência com a qual você exerce a sua profissão. Isso vai te notabilizar, isso vai te garantir a sensação deliciosa de dever cumprido. Creia-me: no dia em que você descobrir o valor que você tem, a vida vai ser muuuuito mais camarada contigo.

Minha colega quis botar 
Aplique no cabelo dela, 
Gastou um extra que era da parcela

 Bom, cada um sabe das suas finanças, né? Tenho pavor de fazer dívida, nem cartão de crédito tenho, mas eu escolhi assim. Deixo de ter as coisas, mas durmo tãaaaao bem...

Levo vida de empreguete, eu pego às sete 
Fim de semana é salto alto e ver no que vai dar 
Um dia compro apartamento e viro socialite 
Toda boa, vou com meu ficante viajar

Torço muito por isso, adoro gente que vai para onde quer, gente que conquista seus objetivos, sua casa, seus sonhos. Mas vamos lá: se você vai viajar com seu peguete, virar socialite, pouco tempo vai sobrar para os afazeres domésticos. E aí, empreguete, que tipo de "outra" você vai ser?

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Andei incomodada com a letra dessa música desde que ouvi minha filha cantando. Hoje, só para confirmar os meus temores, ouvi e li a música inteira. É ruim como eu havia imaginado. Não: é pior.

A música aparentemente engraçadinha cria uma trincheira na já combalida relação de patrão vs empregada. O conteúdo é tão rancoroso que assusta. As empregadas se colocam numa posição subaterna, inferior, e não se engane: é cantarolando sem preocupações que a música chiclete gruda e cumpre sua finalidade.

Ah, Daniela, você não assiste à novela, então não pode descontextualizar a letra da música do enredo do folhetim. Não assisto mesmo, acho um porre, yadda, yadda. Só que a minha filha também não assiste, e a menos que eu a amarre no meio da floresta, impossível poupá-la do contato com a cultura pop. E é essa mensagem preconceituosa que ela recebe, pinçada do contexto da novela, raivoso, vingativo.

Não é um texto contra a Globo, contra a novela, contra a massificação dos produtos de mídia, nem nada alusivo a lavagem cerebral, estupidificação dos sentidos ou quaisquer dessas baboseiras de um mundo haribô utópico. Não. É o choque de ver a manutenção de um ódio ancestral, popularizado num muito bem sucedido clip. É muita gente cantando, curtindo, e internalizando uma mensagem daninha, e não vi NINGUÉM levantando a lebre. Em não tendo nada pra fazer, trago eu minhas angústias à baila.

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 E bem vindo de volta ao Shaggapress!