segunda-feira, setembro 24, 2012

Pela janela

Quando escolhi esse apartamento, o que me encantou de primeiro foi a janela.

Segundo andar, nascente, dava pra ver a lua nascendo, e talvez, num dia insône, o sol também. Posicionei estrategicamente o computador do lado dela, e daqui vi a vida passar.

 Já vi assaltos, brigas, aprendi a rotina dos vizinhos, e sim, vi dias sem fim nascendo, e luas incontáveis me ajudaram a levar o próximo dia adiante. Já me senti uma batata assada com o sol que entrava sem convite pelo vidro, e já morri torrada quando instalei as cortinas.

 Da minha janela conheci o vendedor de picolé, o chow chow — que tem um irmão schnauzer e um dono que morde —, ouvi o vendedor de gás ensaiando para a carreira artística, as velhinhas mimando o porteiro pop star. Me encantei com todos os céus plúmbeos que consegui ver daqui, já vi arco iris duplo, tempestades, dias baços — mesmo que baça fosse só minha alma. Já encostei a cabeça vezes sem fim neste vidro e chorei. Se vi o mundo da janela, muitas vezes o mundo me viu desabar e levantar.

Foi ao lado deste pórtico que me sentei e comecei a elaborar a morte da minha mãe. Foi olhando pra fora que a cabeça começou o lento e doloroso processo de entendimento. Foram as longas horas de olhares mais longos ainda que eu achei que estava melhorando, para depois achar que estava pior, para sacudir a cabeça e deixar pra lá. Tanto quanto mudei, mudou a vida lá fora.

Minha mãe viu o mundo pela minha janela, olhou um pouco da vida pelos meus olhos. Seu último ato nesta casa foi vir até aqui, cheia de dor, para me trazer cortinas de presente para a sala. Nunca as pendurei, vão ser inauguradas na casa nova, de onde vão acompanhar o próximo capítulo que se apresenta num futuro próximo. Quase como se fosse um pedacinho dela, os olhos dela me acompanhando nestas novas janelas. Quase como se mamãe pudesse, mesmo sem estar aqui, enxergar mais um pouquinho do que eu queria mostrar.