segunda-feira, junho 25, 2012

Prazo de validade




O molho branco acabou. Acabaram também os sachets de tempero de feijão, os requeijões há mais tempo. O queijo Polenghi já virou um rastro de memória de um passado distante, mas o mesmo não se dá com os potes de Nutella: ainda existem, mas estão perto de expirar a validade.

Os macarrões cheios de frescura estão nas últimas, o creme de leite já era, e eu ri quando achei a última embalagem de leite condensado tetra pack: minha tentativa de fazer doce de leite cozido nesta embalagem de papelão rendeu bons dias de gargalhadas da mamãe. Por algum motivo misterioso, o alho picado e a cebola triturada ainda estão em perfeito estado de conservação, mas o mesmo não posso falar da goiabada cascão, que veio do Rio pra mim em novembro do ano passado. Hora de rearrumar a geladeira. Há dias me desfiz de um patê de presunto moribundo, que passou meses escondido embaixo do parmesão ralado — que ainda passa bem, a propósito.

Os azeites importados continuam lá, e como os apresuntados, ainda poderão estar comigo em 2015. O catchup não vai ficar por tanto mais tempo, mas acho que os molhos de tomate ainda hospedo por mais uns seis meses. Cada louco tem sua mania, e na minha casa pode faltar fósforo, mas nunca tem menos de 6 embalagens de molho. Ela sabia, e sempre fazia uma festa quando me avisava que novo carregamento estava a caminho.

Este poderia ser um texto sobre a desordem da minha vida, sobre a minha geladeira caótica, e tudo seria pertinente. Mas não é esta a natureza desse escrever de hoje. É uma constatação, mais uma, de que a cada dia a minha mãe me deixa mais um pouquinho. De que a cada dia ela ocupa um pedacinho a menos do meu cotidiano. 

Todo mês a mamãe ia ao um mercadão atacadista, e fazia uma caixinha pra mim, outra pra minha irmã, cheias de coisinhas supérfluas. Queijos, Nutellas, azeites, iogurtes, um monte de frescurinhas que compunham um ritual de descobrimento das compras: eu ligava pra ela e ia destrinchando o conteúdo, dando gritinhos, ameaçando não dividir com ninguém, pensando na receita que ia fazer. Desde que ela adoeceu, mal fomos ao mercado para o básico, que dirá para as bobaginhas. 

Cada produto que acaba, cada vencimento que se aproxima, é mais uma pequena morte, mais um mini choque da perda, por mais que eu ache que a transição está sendo tranquila. Não está. 

Me salvam os azeites, companheiros que vão me arrancar sorrisos pelos próximos 3 anos. Me salvam as cortinas, que ganhei de presente na última vez em que ela foi na minha casa, já doente, já com dor, já fazendo um esforço enorme para sair da cama. Mais do que isso: me salva a educação que ela deixou, as ferramentas que recebi para viver bem até sem ela, porque, óbvio, não somos eternos. Me salva saber que mamãe — e papai, course — me ensinou o caminho para poder eu mesma comprar meus queijos. 

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Faço um esforço hercúleo para viver bem a cada dia, mas o luto faz parte, e isso eu tenho que introjectar. Muito tenho brigado comigo, muito me saboto, muito acho que não mereço as coisas e pessoas boas que tenho na vida. Mereço cada um dos meus amigos, mereço cada gentileza, sou uma pessoa legal. Tenho direito a ficar triste, sim, tenho direito de chorar quando preciso, tenho dever de viver cada etapa. Ao invés de vestir uma armadura, e saltitar que nem um elfo feliz, vou me dar ao luxo da introspeção, do retiro, do mimimi. 

E só a decisão de tentar já é uma vitória.

quarta-feira, junho 20, 2012

Drops

Faz o que com a irmã que fica ouvindo Marcelo Jene*ci com a sobrinha a.k.a. minha filha? É alguma deformação dos gens? ******** Eu espero o elevador com ascensorista para saber das fofocas da vida dela. Mesmo atrasada. ******** Baixando Miranda "iCarly" Cosgrove, e minha filha pergunta se sou adolescente. Mato? ******** Partindo para a terceira comemoração do meu aniversário, versão Mouraria.

terça-feira, junho 19, 2012

Diálogo com uma empreguete

Todo dia acordo cedo,
Moro longe do emprego 
Quando volto do serviço quero o meu sofá

Eu também acordo cedo, às vezes saio de casa 04 da manhã, passo o dia inteiro correndo de um lado pro outro, volto às duas do dia seguinte, e ainda tenho que madrugar para mais uma jornada. Mas é a profissão que tenho (e nem foi a que escolhi, mas isso é outra postagem), e se não tenho outra, vamos ser felizes assim mesmo.

Tá sempre cheia a condução 
Eu passo pano, encero chão 
A outra vê defeito até onde não há


É, minha querida, ônibus cheio é uma praga, mesmo. E eu, que depois da enésima tentativa de assalto ando tensíssima, de olho em cada gente esquisita que passa pela catraca? Se me parecer nervoso (a) demais, olhando muito para os lados, desço no ponto seguinte. Gasto o dobro pra chegar em casa, mas é melhor do que levarem meu celular querido. Sobre passar pano, encerar o chão... Veja bem: não são parte das atividades inerentes ao seu cargo? No meu trabalho, subir dunas correndo, descer esbaforida, não ter hora de almoço, não ter domingo, feriado, tudo isso faz parte do rol de atribuições. E a "outra", que suponho ser sua contratante, ver defeito em tudo, ora, quantos chefes não são assim, em diversas áreas?

 Queria ver madame aqui no meu lugar 
Eu ia rir de me acabar 
Só vendo a patroinha aqui no meu lugar 
Botando a roupa pra quarar

Taí o equívoco-mor da história toda: eu sou contratada para fazer um trabalho que os meus chefes não podem, não querem ou não tem tempo de fazer. Por que esse rancor de "queria ver você no meu lugar"? Como se colocar a roupa para quarar fosse tão desonroso que pudesse servir de vingança contra um superior hierárquico pentelho. Não é, não. NÃO EXISTE TRABALHO INDIGNO! Você tem um contrato para executar uma tarefa que eu não posso ou quero fazer. Tirar a mesa, lavar a louça, limpar o chão, nada disso reduz o valor de ninguém, do mesmo jeito que servir café, varrer a rua antes de um take ou almoçar sentada no meio fio não me diminuem.

 É muita vitimização, é falta de respeito por si e pelo seu trabalho. Essa postura subserviente revoltada não te leva a lugar nenhum, cara empreguete. O que te faz subir um degrau atrás do outro é a competência com a qual você exerce a sua profissão. Isso vai te notabilizar, isso vai te garantir a sensação deliciosa de dever cumprido. Creia-me: no dia em que você descobrir o valor que você tem, a vida vai ser muuuuito mais camarada contigo.

Minha colega quis botar 
Aplique no cabelo dela, 
Gastou um extra que era da parcela

 Bom, cada um sabe das suas finanças, né? Tenho pavor de fazer dívida, nem cartão de crédito tenho, mas eu escolhi assim. Deixo de ter as coisas, mas durmo tãaaaao bem...

Levo vida de empreguete, eu pego às sete 
Fim de semana é salto alto e ver no que vai dar 
Um dia compro apartamento e viro socialite 
Toda boa, vou com meu ficante viajar

Torço muito por isso, adoro gente que vai para onde quer, gente que conquista seus objetivos, sua casa, seus sonhos. Mas vamos lá: se você vai viajar com seu peguete, virar socialite, pouco tempo vai sobrar para os afazeres domésticos. E aí, empreguete, que tipo de "outra" você vai ser?

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Andei incomodada com a letra dessa música desde que ouvi minha filha cantando. Hoje, só para confirmar os meus temores, ouvi e li a música inteira. É ruim como eu havia imaginado. Não: é pior.

A música aparentemente engraçadinha cria uma trincheira na já combalida relação de patrão vs empregada. O conteúdo é tão rancoroso que assusta. As empregadas se colocam numa posição subaterna, inferior, e não se engane: é cantarolando sem preocupações que a música chiclete gruda e cumpre sua finalidade.

Ah, Daniela, você não assiste à novela, então não pode descontextualizar a letra da música do enredo do folhetim. Não assisto mesmo, acho um porre, yadda, yadda. Só que a minha filha também não assiste, e a menos que eu a amarre no meio da floresta, impossível poupá-la do contato com a cultura pop. E é essa mensagem preconceituosa que ela recebe, pinçada do contexto da novela, raivoso, vingativo.

Não é um texto contra a Globo, contra a novela, contra a massificação dos produtos de mídia, nem nada alusivo a lavagem cerebral, estupidificação dos sentidos ou quaisquer dessas baboseiras de um mundo haribô utópico. Não. É o choque de ver a manutenção de um ódio ancestral, popularizado num muito bem sucedido clip. É muita gente cantando, curtindo, e internalizando uma mensagem daninha, e não vi NINGUÉM levantando a lebre. Em não tendo nada pra fazer, trago eu minhas angústias à baila.

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 E bem vindo de volta ao Shaggapress!