Namorada cá é sedentária. Mais ou menos, porque meu trabalho me dá um puta condicionamento físico. Corro, subo e desço dunas, ladeiras, retões, uma delícia. Volta e meia ele vem pra minha casa, traz tênis, short, playlist, o escambau.
— Vamos?
Minhas respostas são variadas: “vai chover”, “preciso trabalhar”, “a lua está em gêmeos”, mas ir que é bom... Até ontem. Veio ele pra cá ontem à noite cheio de alegria, roupa de correria, digo, corrida, disposição pra três pessoas. Uma delas era eu.
— Vamos?
ão dava. Filha estava voltando de quatro dias na casa do pai, ia chegar naquele meio tempo... Vou esperar, né? Já tinha separado 3 episódios de Six Feet Under, ventilador ligado, caminha esperando... E filha chegou.
— Por que ela não vai também?
Olhos da filha brilharam. Se convidá-la pra andar descalça sobre brasas, ela topa, porque é sinônimo de sair. Suspirei. Suspirei de novo. — Vamos.
Calça (folgada, obrigada Deus pelos quilos perdidos, MESMO SEM CAMINHAR!), tênis (velho e furado, confortável demais, mas que vença pelos talentos, porque pela beleza...), camiseta. Outro suspiro.
— Vou te odiar amanhã?
Namorado ri e diz que não.
Oremos. Chave de casa na mão, filha na outra, vamos lá. Por que, Senhor, por quê?
Se eu estiver mentindo, que me caia uma chuva de tênis com amortecedor para corrida em terreno acidentado na cabeça: CEM METROS depois de ter saído de casa, pisei de mau jeito e senti uma fisgada na virilha. Trinquei os dentes, sorri e fui arrastando a perna pela vida afora. Lembrem-me de NUNCA MAIS criticar um jogador de futebol que “sente a coxa” depois de um treino, ou que não joga porque doeu a virilha. Toda a minha solidariedade.
Porto da Barra. Praia, noite de sexta-feira, gente jovem reunida. E eu lá, contando cada metro da caminhada. Filha tagarelando, perna doendo, calor. Delícia.
Namorado para pro alongamento, “vou acelerar um pouco o ritmo, tá?”. Claro, meu amor, vai na frente, me encontre aqui mesmo na volta, sendo atendida pelo SAMU.
Anda, anda, anda, anda.
(Pausa para uma explicação: acho andar uma cretinice sem fim. Você anda, anda, anda, chega num ponto e... VOLTA! Anda pra lugar nenhum sem objetivo, e VOLTA! É pior que andar na esteira! )
Anda mais, se pergunta como Namorado e Sogra SENTEM FALTA disso, chega no Farol da Barra. Vento, muito vento. Não fui de óculos porque quebraram (os novos estão chegando!), e claro, entrou um cisco do tamanho do mundo no olho. Direito. O pior dos dois.
Cisco. Filha puxando pela mão. Perna doendo. Opa, olha a unha encravada aí, que há dez anos não dava o ar da graça! Namorado foi lá longe, e já estava voltando.
Voltamos todos. Calça colada começa a coçar. Parei pra arranhar com as super unhas quinhentas vezes, como odeio calça de exercícios! Falei que estava grande? Então... Passei o caminho todo levantado o cós. Patético. Farol da Barra de novo, outro cisco.
— Não vou esperar amanhã pra te odiar.
Voltamos. Sobrevivi.
Nota triste: logo depois de chegar, me armei de uma coragem desconhecida e fui lavar a louça e fazer suco de melancia, de uma fruta que comprei INTEIRA (cadê o juízo, que me deixa comprar uma melancia inteira?).
Ou seja: funciona. Exercício realmente aumenta a disposição, renova o ânimo, é um show de endorfina. Hoje, dia seguinte, estou moída, não levanto o braço (não sei o motivo, já que andei, não fui de bananeira), e a perna direita já avisou que só faz o essencial hoje (cozinha – banheiro – quarto).
Fim da carreira de atleta? Não sei. Poderia dizer que tenho trabalho louco e acumulado na próxima semana, que vou estar cansada, que não dá pra caminhar com a filha... Continuo odiando exercício, me perdoem os amigos atletas , mas acho que não dá mais pra viver sem, tampouco adiar. Que o digam Namorado e Sogra.