O Natal levou anos para entrar na minha casa. Nunca montei uma
árvore, mesmo mãe de criança pequena por tantos anos. Estranho pra
quem foi criada pela filha da ajudante oficial do Papai Noel.
Natal lá em casa
não passava de 16 de novembro pra começar. Árvore da minha altura:
sim, 1,70 do chão ao topo, sem a estrela. Enfeites que remontavam à
infância da mamãe, à minha e à da Helga. Dos ursinhos mais
finamente confeccionados aos adereços de escola que vinham a cada
dezembro para amenizar o boletim nem tão auspicioso.
Luzes, luzes,
réplicas do Papai Noel de todas as variedades: de paraquedas,
rebolando ao som das palmas do visitante encantado, ou pregado à
parede. Plural de Papai Noel é Papais Noéis? Ela era múltipla na arte.
Veio 2011, última
árvore que mamãe montou. Adoecida já, penou com a dor, mas a
Broadway natalina ficou pronta no nosso último Natal juntas. A
desmontagem já foi um prenúncio do que seriam os meses seguintes.
Foi diferente, meio desordenado o rearrumar, ela, logo ela, que tinha
um zelo tão grande pelos enfeites antigos e novos.
Quando precisamos
reordenar a vida, agora sem ela, a árvore ficou comigo. 2012, e
nunca achei as toneladas de penduricalhos de adorno. Diz a lenda que
estão aqui em casa, mas a minha Mansão Foster para Amigos
Imaginários nem é tão grande que não as tenha visto em algum
momento.
Em 2021, lá vem
dois fenômenos quase concomitantes, que são a prosa de hoje.
Marcelo, meu consorte, não se conformou de uma casa tão bonita
estar tão despida de Natal. Desenterrei a árvore da mamãe, as
luzinhas (DE DEZ ANOS ATRÁS), fui trabalhar e o deixei montar. Nessa
ordem.
Que casa mais linda
ganhei. Ele fez uma delicadeza tão grande em armar o pinheiro e
aproveitar os dois fios de luz, além dos três enfeites localizados
e aplicados. Curtimos do sofá as luzinhas, apagamos a luz do teto, a
TV, que coisa linda!
Uns quatro dias
depois, DO NADA me deu vontade de vasculhar um depósito que temos
aqui, ao qual chamamos carinhosamente de sarcófago. Tem 30 anos de
Bahia acondicionados ali, das mais variadas maneiras: jogos,
brinquedos, equipamento de mergulho, fardos de couro, coleção de
chaveiros da minha mãe. Opa, coleção de chaveiros!
É uma caixa com uns
500 chaveiros que começam a sua cronologia em 1960 e pouco. Cresci
com essa coleção como o brinquedo proibido: mamãe levava muito a
sério o hobbie. Uma vida inteira estava naquela embalagem. Eu aos 4
anos os vendo receber a turma de trabalho na minha piscina de
plástico. Aos 7, hospedando num hoteleco de quinta entre São Paulo
e Rio com eles. Os chaveiros do trabalho do meu pai, do da minha mãe,
por final, acho que dos últimos adquiridos, do antecessor do meu.
O movimento foi mais
intuitivo que racional? Sem dúvida. Espalhei os chaveiros no chão e
fui separando um, outro, e pendurando na árvore pelada. Em pouco
mais de uma hora saí de um pinheirinho só feliz para um radiante e
cheio de história. Cada galho cresceu comigo com um adorno
diferente, um tempo seu, um sorriso de lembrar.
Ano que vem tem
árvore, tem Natal? Tem sim senhor. Mas esqueçam as bolinhas espelhadas:
inaugurei uma árvore de saudades e afetos, e os chaveiros serão
permanentes.
Achei que seria bom
contar isso no aniversário septuagésimo quarto ano dessa senhora
que ainda me arranca sorrisos na base dos sustos, dez anos depois de
ter ido correr atrás de joaninhas. Feliz dia, mãe, “até mais, e
obrigada pelos peixes!”.