Segundo andar, frente. Morar num apartamento tão perto do chão tem lá suas particularidades, e não estou falando da alegria de ouvir o barulho da chuva batendo no chão, coisa impossível para quem mora no décimo andar, por exemplo. A proximidade com a rua me fez ver a quantidade de gente maluca que circula pelo mundo, ou mais especificamente, pela minha rua.
1) O cara do gás. O palco é seu sonho maior, e o ensaio pode ser enquanto dá gritinhos ensaiados para anunciar a chegada do seu produto. "Olha oooooooooooo gaaaaaaaaaaaaaix! Au!". Em tom crescente. Juro.
2) A doida do radinho. Ela é limpinha, não é mendiga, anda com um radinho de pilha colado na orelha e narra tudo o que ouve. É doida, doida, doida. Mansinha de tudo, mas ainda assim, doida. O rádio é sempre novinho, sinal de que alguém cuida dela com algum desvelo. Bacana é ser atualizada no noticiário pela maluquete da rua.
3) A mendiga que tem medo de escuro. Mendiga mesmo, doidinha, vive falando sozinha, e eu vivo apurando as orelhas para saber o que há de novo, Scooby. Numa dessas vezes em que puxei papo é que ela disse que não ia "lá em cima" (parte mais alta da ladeira), porque tinha medo de escuro. Meu coração apertou. De que trevas essa criatura foge, na verdade? Morro de pena.
4) O brother do Chow Chow. Que eu saiba, ele não tem camisa. Carequíssimo, mal encarado, anda muitas vezes por dia com um Chow Chow e um outro cachorro que, cofesso, foi obliterado pela fofurice do cão da língua roxa. Ardo de vontade de fazer amizade com os caninos, mas acho que o dono morde.
5) Nelson. Last but not least. Nelson é o porteiro-show da manhã do meu prédio. Não passa uma alma pela rua que não grite para ele uma saudação, que não dê um bom dia entusiasmado, que não sacuda as cuecas de alegria por ver o Nelson na guarita. Não, ele não está nem perto de ser simpático, pelo menos não comigo. Por outro lado, tem velhinha que traz biscoitos para ele, que manda sopa (DE MANHÃ), que dá presentinhos. Não, Nelson não é o porteiro "Colírio do Mês". Nelson é um mito. Nelson é pop, um ídolo. Um ícone.
E tirando as pessoas, ainda tenho uma coleção de baratas que escalam a parede para a minha casa, baratas de todas as espécies, grandes, pequenas, cascudas, francesas. Todas nojentas, fadadas a morrer com jatos de... perfume!
É. Minha lata de veneno acabou.
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Tentando voltar, mon ami, tentando voltar. Valeu o puxão de orelhas, vamos ver se engrena.
4 comentários:
Aqui estamos no segundo andar também, e as figuras maluquetes dão o ar da "graça" por aqui idem. A última é um @#$%&* que passa de carrinho de som vendendo CD de piadas... todo dia... de manhã...
E como é uma barata francesa? O.o
Nando, barata francesa é uma peste pequena, marrom mais clara e infinitamente menos cascuda que a outra. Quase uma damazinha do mundo baratal... :)
Fantástico! É incrível como as coisas mais inacreditáveis vem da simples observação do dia a dia! Adorei!
Bom você ter voltado!
Dois mundos: Maria Paula e Lapa
Silêncio, subúrbio querendo virar cidade. Os cavalos sumindo. Totonho da laranja já não passa em sua mula na madrugada. Onde ele estará? A boiada a muito se foi. As crianças cresceram. As novas se escondem, acredito que na frente de seus pcs. Já não mandam na rua. A criminalidade ronda mas ainda choca.
Do outro lado boêmia. Oito da manhã e buteco cheio, terão chegado ou ainda não foram? Crianças na rua, sujeira, turistas. Crianças escondendo o que nem deviam conhecer nas árvores. Será pra uso ou pra venda? Na av. Rio Branco o sr. grita "Alicate, olha o alicate!", vender alicate é altamente lucrativo! Que o diga o bolo de dinheiro que ele conta dia após dia.
Gente boa sempre há. Mas aos poucos a gente vai meio que endurecendo. É bom quando alguém rompe esta casca!
abraço,
Freitas
Quisera transformar-me, como num personagem de Kafka, numa dessas baratas e escalar as paredes do seu prédio, para antes de morrer perfumado, gritar: "Soy yo, Dani!" (Sim, serei uma barata hispânica) e daí você me acolhe e ficamos na sala, a papear, com coca zero e a pequena Helena pra lá e pra cá sobre os torvelinhos dessa vida.
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