quarta-feira, junho 02, 2004

Mais 48 horas sem lentes de contato para outra bateria de exames. Eu nunca contei que os exames de vista me levam a nocaute, contei?

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Eu escrevi isso há cinco meses. Escrevi por causa dele, e quem diria, depois de tanto tempo, tanta persistência, que finalmente as paralelas iam-se encontrar e correr juntas, num só fio?



"Ah, se eu fosse um marinheiro
Era eu quem tinha partido!"

Maresia - Calcanhoto

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— Deus, se for pra eu ficar mais um pouco, me dá um sinal!

E vamos nós, livro de 700 e tantas páginas sob o braço, óculos novos nos olhos, cara de sono, cheiro de protetor solar em torno de mim, único elemento que me traz de volta à estação em que estamos. Cheiro bom, de dias outros, quando o sol não envelhecia a pele, e nós não enrugariamos jamais. O amor ia durar mais tempo, os sonhos estavam fresquinhos, e pouco antes, o filho do mar tinha entrado na minha vida.

E hoje, no playground do meu prédio, entabulava um diálogo comigo mesma. Estabelecia novas receitas para a vida, fazia promessas que não vou cumprir. Jurava que ia pendurar minhas roupas, voltar pro regime, terminar a faculdade, comprar um apartamento ao invés de um barco. Prometi também que vou fazer medtação todos os dias, dar mais atenção à minha vida espiritual, ouvir mais, falar menos, criar as condições para ter um filho. Virar gente grande.

E nessa diatribe, tive o privilégio de ver o sol caindo, o céu em todas as tonalidades do azul, o mar esticado e com vincos de veludo, quente como tal. Mais uma anotação: voltar a mergulhar. Brilho no céu, não faço o pedido para a primeira estrela da noite. Ainda estou fazendo o planejamento do ano, o que eu poderia pedir?

Filho do Mar! De longe, recortado contra os faróis dos carros, ele e "Deus" vêm da praia, hábito que só eu acompanho há 15 anos. Nadam uns 4 quilômetros no mar, depois voltam para casa caminhando. Coração na mão, tentando pular para o chão. Se eu deixo, o bandido do coração vai saltitar aos pés dele, qual poodle feliz. Quase sinto os meus dedos passando pelas costas dele, conheço de cor a firmeza das suas coxas, cada caho dos seus cabelos. Conheço o seu caminhar, altaneiro, pé após pé, vencendo pedrinhas da calçada. Braço após braço, ano após ano, onda após onda.

Filho do Mar, cujo nome começa com F, dileto de Yemanjá, fruto do mar ao qual não tenho alergia. Tanto, tanto tempo sem nos encontrar, hoje descubro que fiz a opção errada ano passado. Mas como poderia saber, depois de ver nossas vidas se cruzando num infinito que já dura 15 anos, retas que nunca deixaram de correr juntas? Deveria ter vendido a passagem para a minha Pasárgada e torrado o dinheiro com um final de semana com ele no resort da Praia do Forte.

Deixa. O que tem que ser, é. Minha cabeça acompanhou sua passagem, olhos que retomaram o namoro por um minuto ou dois. Juntei meus alfarrábios, e fiz mais duas anotações mentais:

.entrar na natação;
.pensar seriamente em levar um relacionamento a sério.

Eu realmente vou me esforçar para fazer tudo certo, agora.


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Hoje eu de fato sinto os meus dedos passando pelas suas costas, da mesma maneira que a minha pele não esquece os dedos dele passeando pelas minhas costas. Meu, meu depois de tanto tempo. Filho do céu e do mar, meu. Finalmente.

Acho que é hora de mostrar isso pra ele.

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Você já foi de bico numa festa? Já teve a sensação de querer continuar no rega-bofe, e ter a desconfortável sensação de que não era pra estar lá? E cinema errado, já foi? Compra ingresso pra um filme, erra a sala e sai estarrecida com o que não queria ver mas viu?

Esses são os meus dias. Estranhos dias. Inadequados dias. Incongruentes dias. Dias que entram por baixo da porta, junto com a conta da luz, o jornal e a carta dizendo que não dá mais.

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