terça-feira, novembro 14, 2006

Da série "Eu já escrevi melhor", versão 2004.

Eu queria ter um quintal.

Eu tiraria a alma para lavar, esfregaria com esse sabão em pó que a vizinha do andar de baixo usa. Ia deixar quarando numa bacia de metal meio amassada, enquanto esperaria esticada na grama, escurecendo ao invés de branquear.

Nada de máquina de lavar: hoje minha alma ia ser esfregada no velho tanque, com as mãos, para eu sentir a textura, para eu saber onde está precisando cerzir, onde está esgarçado, onde desbotou. Cabelos numa festa de cobre, vermelho e castanho, presos num coque desfiado, suor escorrendo pelo vale entre os seios, alma na mão, tratada sem piedade. Esfrega, bate, deixa de molho, enxágüa com hectolitros de água fresquinha, clara, com cheiro de pedra antiga. Só barulho d'água correndo, da alma contra a pedra do tanque, de alma contra alma.

Um varal cairia bem. Um varal enooooorme, para deixar a alma toda esticadinha, com vários pregadores para não sair voando por aí. Se a alma fugir, tenho que pegar carona num dente-de-leão para ir atrás. Sempre diminuindo a velocidade quando me aproximar, para aproveitar mais tempo a brincadeira de pique pega.

E deixa o vento secar, levar o resto dos medos que ficaram presos na trama. Os braços da alma se abrem para facilitar o correr da brisa, e tudo que deu errado inverte. Sem temor, cabeça erguida, rindo da cara da vida.

Do varal de volta pro corpo. Passar a ferro porra nenhuma, minha alma sempre foi amassadinha, eu gosto dela assim. Eu gosto desse restinho de sol que ficou e que me esquenta, esses pedacinhos de brilho que fazem cócegas por dentro. E que fazem rir.

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O olho assinou o pedido de falência hoje. Está vermelho como se eu, não consumidora, tivesse fumado até o fim um baseado enrolado em papel metro. E passou a doer.

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Em outras praias, hoje é dia de Gerônimo. Se e for liberada pela oftalmo (otimiiiiiiista...), vou lá dar pinta.

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UPDATE

Não, não estou liberada, e tenho a quarta visita ao oftalmo na quinta-feira. Cogita-se o uso de corticóides. Os médicos deveriam entender que o paciente não é um hamster de laboratório, e que o entusiasmo por um caso raro e complicado deveria ser comemorado a portas fechadas.

Sim, tenho um caso raro de úlceração corneana, de inflamação nas conjuntivas. Não há previsão para a volta das lentes. na verdade, não há nem previsão para como o olho lcerado vai reagir aos antibióticos.

Não, não estou confortável, não estou satisfeita, tampouco feliz. Odeio essas restrições que os óculos impõe, odeio não saber exatamente o que está acontecendo.

Por outro lado, aceito visitas, carinho, mensagens de texto no celular, beijinhos.

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