Meus anjos da guarda um dia pedem demissão.
Uma hora no ponto do ônibus, depois de jantar na casa do Ernesto, de jogar I Ching com a Carol, laughing to forget. A companhia era uma prostituta, muito bem vestida, aliás, e muito simpática.
Salvador é uma cidade do interior com status de capital. Uma da manhã e não tinham mais ônibus.
— Não tem problema: cochilo aqui mesmo!
Bastou recostar a cabeça na parede de vidro do ponto de ônibus, desponta no horizonte ele: O LAPA-BARRA!!!
— Até que altura da Barra vai esse ônibus?
— Farol da Barra.
— Uh... toca o barco, motô!
Desci, pois, no Farol da Barra, e vim caminhando, margeando a praia até a minha casa. Vaguei como um espectro do carnaval que passou (e com a graça dos orixás, me enfurnei em casa e não vi um único abadá!), entre sanitários químicos já perfumadíssimos novamente, mais prostituta e estrangeiros de todos os planetas.
Parei na balaustrada, fiquei namorando a praia, que eu nunca tinha visto mais linda. Tinham acabado de passar o trator com arado para limpar os detritos enterrados, e a areia fina ficou compacta com o peso dos pneus. Maré baixa, praia pequena, em forma de lua minguante, num sorriso perpétuo, dentes brancos de areia, saliva de água do mar.
Mesmo sem descer as escadas, senti a textura porosa da areia entre os meus dedos, e mentalmente friccionei a planta dos pés na areia fria e úmida. Deixei a maresia lamber meu rosto, deixar seu gosto salgado de amor nos meus lábios, tomar cada pedaço da minha pele de assalto, e fazer dos meus poros reféns daquele carinho.
Soltei os cabelos ao vento, e segui o caminho de casa. Tirei o Iô-Iô do bolso, e subi a ladeira absorvida pela imprescindivel necessidade de fazer o brinquedo "dormir". A quinta feira começou iluminada. Não pelo lado visível da lua, mas pelo seu dark side.
Meus problemas têm solução. Eu só tenho que esperar que um sol qualquer ilumine a minha superfície para que eu possa enxergar a saída. Ou a porta de entrada.
E que seja doce, que seja doce, que seja doce!
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