terça-feira, setembro 30, 2003

O processo de desmonte de qualquer trabalho reflete na alma. Qualquer sala de produção (em atividade) é uma festa de cores, bagunça, fervura. É um entra e sai o dia inteiro, pessoas e idéias que correm de um lado pro outro, que se chocam contra os móveis, as paredes, as janelas. É um burburinho incessante, que vai num crescendo até que atinge o ápice e volta, sempre, sempre murmurante.

Um trabalho que envolva viagem é quase como um casamento coletivo. Dormimos e acordamos com as mesmas pessoas, comemos, brigamos, amamos, rimos, tudo com a mesma figuração. Cada dia é vivido 4, 5 vezes, cada semana vale por dez. Posso, sim, multiplicaar o tempo que vale pelas semanas que valem, e chegar à conclusão de que sim, estivemos todos casados por anos a fio.

E que casamento feliz, no somatório! Um casamento que termina em sorrisos com alguns, que se fortalece com outros, que termina litigiosamente com terceiros. Casamento que envolve uma energia quase sexual, tensa, que se dispersa em gargalhadas que quebram feitiço. Casamento exemplar esse nosso, que sobretudo flexiona, que cede, que ama incondicionalmente. Ele quer sair? Vamos todos, ou aqueles que ainda aguentam. Ele não quer ir a canto algum? Ótimo, estou morrendo de sono, mesmo, só queria ve-lo feliz.

Levamos todos as nossas melhores roupas, as nossas melhores intenções, a nossa boa vontade. Estamos de acordo: o que Deus reuniu, o homem não separa. E seguimos juntos até que a vontade de Deus faça com que aos poucos os personagens desse enredo vão saindo aos poucos de cena. O fim do casamento está apontado num cronograma na parede. E ao contrário de todos os outros, esse é inexorável: o filme acaba, sim, e no prazo previsto.

E o nosso filme acabou. Hoje só tem os créditos, embalados por uma música meio doce, meio azeda. Como numa película qualquer, espero que subam todos os letterings para ver se o diretor colocou alguma surpresa no final. E esse é o meu dia: aguardar que a noite chegue, que as luzes se acendam e que o cinema esvazie. E ver que os meus maridos se foram, que todo amor acaba, como acabaram os outros muitos casamentos que tive ao longo da vida.

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