terça-feira, outubro 28, 2003

E finalmente o silêncio. Mentira. As teclas da máquina fazem companhia para o eventual resmungo do cão vizinho. Isso, e o coração que martela, inútil, batendo por ninguém.

Desconheço essa que me olha do espelho todos os dias. Essa menina de cabelos escuros, olhos idem, não sou eu. Mas é que eu nunca dei atenção suficiente para aqueles olhos enormes que se encolhem quando dão comigo do outro lado do espelho. Eu, quando era alguém, tinha cabelos longos, não no meio das costas. Tinha um olhar menos triste do que essa mocinha aí do outro lado tem. Tinha brilho, tinha viço, tinha tudo quando ainda era alguém.

Hoje sou uma farsa. Sou a tábula rasa que se passa por culta. Sou a boa-má filha. Sou a que enrola, que sai pela tangente, que é o que não aparenta ser. Sou a clubber de zona rural, sou a descoladinha tradicionalista, sou a independente que precisa. Uma farsa.

Eu era a bobinha do jogo de bola, era a café-com-leite dos jogos coletivos. Nunca valeu pra mim. Eu sempre joguei pra valer, nunca me deixaram ganhar. Nem perder, o que é muito pior. Eu era uma não-existência ocupando espaço no universo.

Hoje acho que já sou alguma coisa. Mas o quê? Em alguns dias, sou tampa de yogurte jogada no chão, fazendo de estrela contra o negrume do asfalto. Em outros, moeda de um real fingindo ser euro. Vários papéis, sempre, sempre a amendoeira do canto do palco.

Eu escrevo, eu produzo, eu movimento, eu dirijo, eu ajo, eu penso. Eu só não sei se sinto. Não sei o que sinto, se volto a sentir tudo o que senti antes, em igual intensidade, entrega. Desisti. Vou deixar minha ameixa seca bater seguir caminho, batucando no peito mais um sem-número de vezes. Eu só desisto de sentir. Desisto de tentar me fazer entender. Vou continuar compondo minhas guaranias em braile, jogando numa gaveta, trancando à chave.

Um dia um cego paraguaio acha.

********

Pior que não saber quem sou, é não saber para que sirvo.

********

E não me aborreçam, não sou copista escrota!

A inspiração veio desse trecho aqui, deste homem que adoro:

"Nós não seremos como os outros amantes, acreditando que cada tampa de garrafa prateada jogada no chão é uma estrela em potencial. Nós não seres tolos como os outros amantes, acreditando que vai durar a vida inteira quando a gente sabe que vai ser um ano ou dois.
O mundo ama os amantes. Ame, custe o que custar.'

Essas frases são do Prefab Sprout..."

Nenhum comentário: