sexta-feira, março 05, 2004

A gente sabe que a vida acaba.

Eu tenho fomação espiritual sólida. Eu tenho uma certa idéia de como se passam as coisas depois do desencarne. Se você não acredita, tudo bem. Mas de alguma maneira, a gente sabe que um dia acaba.

O que a gente não se dá conta é dos anos que vão deteriorando não somente a nós mesmos, mas aos nossos. A gente não percebe que ninguém fica mais jovem a cada dia, e quanto mais perto de nós as pessoas estão, mais fazemos questão de ignorar a passagem do tempo e os seus efeitos.

Aí, numa sexta-feira em que o sol está igualzinho ao de quinta, ao de quarta, ao de sempre, a gente percebe que cresceu. De repente, a gente faz as contas das idades dos nossos pais, e vê que o tempo agora é pouco. Pouco quanto, ninguém sabe, mas esse período que nos resta juntos, por maior que seja, nunca vai ser suficiente.

E quanto mais a gente cresce, fica mais difícil de agir exatamente da maneira como gostaríamos, para aproveitar esse tempo. Causa estranheza sentar no colo, ficar pendurada no pescoço — por menos que eu tenha feito isso tudo ao longo da vida. Por melhores condições em que os nossos estejam, inesperadamente a gente se dá conta de que a saúde deles já requer certos cuidados a mais, que os movimentos já não são tão elásticos, que entramos em contagem regressiva. O tempo que nos resta com eles é curto. Dolorosamente curto.

Dá vontade de pegar os álbuns antigos, daqueles em que éramos bebês, quando a vida para eles estava só começando, e pedir para "por favor, voltem a ser o que eram". Um pensamento incoerente nos faz torcer para que os dias, de alguma maneira, fluam mais lentamente. Talvez agora, mais maduros e sabedores que somos do fim, talvez dessa maneira a gente consiga dizer todos os "eu te amo" que ficaram entalados na garganta. Talvez ouvindo dentro da cabeça cada minuto se esvaindo, a gente converse mais, ria juntos mais vezes, relegue o resto do mundo ao segundo plano e faça da família — mas só aquela parte que vale a pena — o porto de registro.

A gente sempre sobrevive depois de tudo. Uns cultivam mais a dor, outros sacodem a poeira de estrelas e mantém a lembrança dos tempos bons, e sendo assim, é fácil sorrir.

Mas não hoje, em que a minha visão está toldada pelas lágrimas. Não hoje, que a volatilidade dos meus se exibiu como cavalo de circo. Não hoje, quando finalmente, finalmente descobri que a vida é frágil.

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Tia, daí de cima, cuida da gente.

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