terça-feira, maio 18, 2004

Eu segurei a onda até a hora em que ouvi:

? A gente vive de um lado pro outro. Podia ter sido qualquer um de nós.

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Quem trabalha com entretenimento tem um karma a carregar. Todo mundo acha que a gente se diverte o tempo todo, que a vida é uma festa, que trabalhar com artista é o Velho-Oeste Dourado, que backstage é o Paraíso Perdido.

Todo mundo acha que a gente conhece lugares paradisíacos a cada viagem, que os hotéis são seis estrelas, que enchemos a cara antes, durante e depois dos shows e VTs que fazemos.

O que a gente menos faz é se divertir. É uma correria dos infernos, uma tensão absurda, um calvário que começa na hora de marcar a apanha dos músicos/equipe e só termina quando a gente desova todo mundo em casa. Raríssimas exceções, trabalhar com artista é como trabalhar com o seu chefe: um saco.

Os lugares que a gente conhece são cafundós na maioria das vezes, isso se você considerar conhecer o ato de olhar pela janela do ônibus enquanto chega na cidade. Bebe-se durante o trabalho? Há quem faça, mas não é o certo, como não é certo um advogado beber durante o expediente, idem contador, médico, vendedor.

As condições são quase sempre precárias, os hotéis não merecem o nome que têm, e o capítulo ônibus/van/carro, que foi o que me levou a fazer um balanço da profissão, é sempre um problema. Motoristas mal treinados, que bebem escondido enquanto fazemos o show/VT, péssimas condições de manutenção dos veículos, motoristas que não descansam entre as viagens, preferindo fazer o bate-volta sem dormir.

Não é uma vida fácil, é estressante até um limite sobrehumano, é cansativo. É uma média de 20 horas de trabalho por dia pra quem faz produção: acorda músico, leva o outro pro hospital porque está com asma, volta, arranja sabonete pra mais um. Enfia todo mundo no ônibus, tranca lá, volta, faz check out nos quartos. Nessas alturas, uns três músicos já desceram pra fumar e pegar um vento, outros dois foram ao banheiro, outro não está bem.

E tudo isso sabendo que existe uma forte chance de um dia voltar de viagem... e não chegar em casa. Eu já me peguei empurrando ônibus com mais um monte de músicos, já sofri acidente porque o freio do carro travou, já... Já várias coisas.

Já várias coisas, mas até agora eu consegui chegar em casa. Dessa vez foram eles. Mas podia mesmo ter sido qualquer um de nós.

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