sexta-feira, fevereiro 07, 2003

Ah, Holden, separados no nascimento?

"Post de quase dois anos atrás, que eu deveria gravar com ferro em brasa na minha cabeça tonta:


Três da tarde

Agora eu só quero paz. Já passou para mim o tempo em que paixão efervescente me causava tonturas, me deixava acordado uma semana, enfeitando minha alma, organizando festas incríveis aqui dentro do meu peito, te recebendo com faixa e banda de música e tapete vermelho. Eu abro mão daquela agonia lancinante e, sim, devo admitir, extasiante, de te demonstrar através de minha performance que eu valho a pena, que eu sou especial e que eu não mereço ser ferido.
A partir de agora só quero amor cream cracker. Amor três da tarde. Amor edredom.


HOLDEN CAULFIELD 3:53 PM 2 Shout Outs"

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Daniela em Números

3 refrigerantes, 2 horas, 1 amigo querido conquistado.

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Buenas... Here I am, na Cidade Maravilhosa, cujos encantos mil estão escondidos pelos motoristas de ônibus, pelo calor diário de 43 graus. O que estou fazendo aquî? Bom, seria idiota se eu dissesse que só uma viagem de seis horas, 500 km poderiam me dar a paz de espírito tão ambicionada? Seria estúpido se eu dissesse que São Paulo é uma cidade pequena demais para acolher a mim e ao meu desconforto?

Resposta 1 para a pergunta não feita: não, não estou fugindo. Estou reciclando. Recarregando, como o Ultraman fazia perto do sol. Minha luzinha vermelha estava disparada, precisava voltar para perto do sol para que ela voltasse a ficar azul. Voltei a assumir minha condição de Sundance Girl.

Resposta 2 para a pergunta não feita: eu sou dona da minha vida. Dia 15 tem clássico no Mineirão. Se me der na telha (e na conta bancária) eu vou. Ah, é em BêAgá, mesmo.

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Ao contrário do que eu acreditei, minha fé em Deus continua inabalável. Não entendo a sua letra, não entendo o idioma, mas a mim não cabe questionar. É acreditar, e acreditar, mesmo sem ver a prova. Vou me deixando ser instrumento, mero instrumento de Deus. Vou pra onde seu hálito me soprar, faço o que sua mão firme e amorosa conduzir. E vou sendo feliz dia após dia, sem pressa, sem arroubos.

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A menina, a águia e o gato

Era uma vez uma menina. Era uma vez uma águia. Era uma vez um gato.
A menina não sabia amar. A águia tinha as asas presas. O gato...
A menina morava longe da águia. A águia morava perto do gato. O gato...
Um dia a menina voou para perto da águia. A águia teve a asa solta pelo gato. O gato...
A menina se apaixonou. A águia também. O gato...
A menina ensinou a águia a voar. A águia ensinou a menina a amar. O gato...
A menina voou com a águia. A águia cuidou da menina no vôo. O gato...
A menina dorme abraçada com a águia. A águia vela o sono da menina. O gato...
A menina seca as lágrimas nas penas da águia. A águia protege os olhos da menina contra a luz. O gato...
A menina está aprendendo a ser feliz. A águia está aprendendo a voar. O gato...

E o gato, gente???

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Voltei para a casa que tantas vezes me viu correndo, em boa parte dos doze anos em que sapateei pelos corredores do 726 da avenida com nome estranho. Quase consegui enxergar alguma marquinha que eu porventura tivesse feito nas paredes. Senti o cheiro que me acompanhou em eventuais sonhos. Um cheiro de portaria, algo entre a creolina e o desinfetante de pinho. Rodei pelos aposentos da casa, revi as plantas que um dia me foram proibidas. Vi as pequenas xícaras de porcelana, pelas quais minhas mãos sofreram ano após ano, num desejar constante.

Revi o cantinho onde ficava aquela que me era tão querida, aquela que tão sabiamente me acolhia, numa paciência absurda, talvez sabedora da nossa afinidade. Fui ao banheiro, e senti o cheiro de sabonetes antigos, que tinham passeado pela minha pele em outros carnavais. Dor fez rima com amor. Senti falta dos dias do passado, dos dias em que a banheira quadrada era grande o suficiente para a Algas e eu e os nosso brinquedos.

Não há mais estante de livros naquele apartamento destroçado. De real e concreto, apenas um sorriso. O meu, mescla de saudade e lembranças. Sacudo a cabeça para empurrar as lembranças para o fundo da memória. Sento, abro a bolsa, puxo um cigarro, vasculho o isqueiro. Os olhos já brincam mais sossegadamente com o ambiente semi despido, prostituta guardada por pequenos véus mal aplicados.

Surge um cinzeiro na minha frente, solícito. O cigarro toma o caminho do depósito de cinzas. Os olhos acompanharam mecanicamente o trajeto da brasa até a mesinha de centro, e param arregalados. As lágrimas até então contidas não acharam freio. O corpo, convulsionado, escorregou para o chão, e a cabeça achou repouso no tampo de madeira da mesa. A mão continuou pendurada no cinzeiro. O cinzeiro que tinha um palhaço em pé, bêbado, agarrado num poste de rua. Bêbado, sem rumo. Como eu.

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