quinta-feira, janeiro 22, 2004

Teletarot por Beatriz

Bibia, a minha bruxinha de 5 anos, é alucinada por tarot.

— Bibia, tira uma carta pensando na Dani e conta o que é.
— Tem um bicho sem boca, num lugar que tem muita planta, e esse bicho só tem olhos...


Era a carta das armadilhas...

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Crônica de um amor

E lá vamos nós, 20 horas e meia de trabalho, pausa de 15 minutos para almoçar, almoço bom com pessoas a quem eu amo. Uma direção de cena que não estava no pacote, exaustão que vem da doação irrestrita.

Direção sempre implica em almas que se atarracham pelos olhos, em uma confiança cega. Confiança de mão dupla, eu confio que você vai conseguir, você confia em mim, sabe que eu vou tirar o seu melhor.

E o meu coração ontem estava com um entrevistado com problemas de dicção. Falando baixo, medo da câmera, medo de ser apunhalado no lugar onde mais lhe dói: a fala.

Vem, caminha comigo. Meus olhos não podem te dizer outra coisa: não me interessa a maneira como você articula as palavras. Eu quero o que lhe vai na alma. Esqueço que dos técnicos, do Rei, do mundo. Somos só nós, agora, em ritual de Chüd, conectados por algo tão poderoso que não está em palavra alguma.

Devagar eu consigo que você me explique o porquê de estar sentado à minha frente numa manhã chuvosa de quarta-feira. Aos poucos vou descobrindo que um projeto tão genial só poderia ter vindo da sua alma nobre. Não, pouco me importa se você não é belo. Pra mim, nunca houve outro homem no mundo. Só você; você e seus ideais, seus olhos presos nos meus, minha alma abarcando a sua com carinho, conduzindo por caminhos pedregosos, dor com prazer, areia colada no sangue.

Não, você não precisa repetir nada. Eu pergunto de outra maneira, sei que há muito mais da sua doçura escondida nos vãos da timidez. Como quem descobre um hieróglifo, amorosamente vou afastando as camadas de resistência que te separam de mim. Homem meu, dá o teu melhor pra mim.

Fim de frase, olhos fixos nos outros olhos, silêncio no set, luzes queimando esse amor recém-nascido. Ainda existe a magia que nos amalgamou por esses longos sete minutos. Como será sem você, agora? O que fui antes? E agora? E quem virá?

— Pra mim deu. Lata, valendo!

Acabou. O interruptor do parque de luz é acionado, desliga as lâmpadas e os nossos caminhos voltam a se bifurcar. Do nosso longo casamento de 420 segundos, sobrou uma leve impressão no sofá, as costas da sua camisa enxarcadas de suor, sexo que não tivemos, amor que comungamos. De mim sobrou um vácuo. Vou bordejar por campos frescos, verdes como o mundo que os seus olhos castanhos querem enxergar. Um abraço nos separa. Por um instante fugidio, nosso amor explode de novo, fogos colorindo somente o meu rosto e o seu.

— Obrigado.
— Eu é que te agradeço. Foi bom dirigir seu depoimento. Estou torcendo pelo seu projeto.


Porta bate, e a única vontade que eu tenho é a de virar para o lado e cochilar um pouco. Amar demais exaure.

— O senhor é o próximo entrevistado? Olá, sou a Daniela, estou dirigindo esta peça para...

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Eu amei duas ou três vezes ao longo desse VT, ontem. Se você acha que o meu modo de praticar a direção é errado, nem me conte. Não tenho a menor intenção de me doar menos para me resguardar mais.

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