sexta-feira, outubro 25, 2002

E eu apostando que hoje era quarta feira.

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Eu cruzo as ruas por onde passo procurando um vestígio dele. Um carro do mesmo modelo, um homem com óculos escuros, uma aba de boné, uma risada mansa, uma câmera. Nunca. Nada. Procuro o cheiro dele em outros corpos, o beijo dele em outras bocas. Fecho os olhos, traço outro rosto com o dedo, e a linha dura do maxilar não está lá. Não é ele. Nunca. Nada.

Até hoje. Na frente do escritório dele, colei o rosto no vidro do carro em movimento, criança de rua em loja de brinquedo. "Muito tarde, Daniela-idiota, ele já deve estar na outra dimensão, onde mora!". Mas o que é o pensamento racional quando o corpo pede, precisa, ignora o cérebro pra se curvar diante da falta que sente daquilo que lhe garante o bater-de-coração-nosso-de-cada-dia?

Contrariando as probabilidades, o carro dele estava estacionado na frente do prédio. As perguntas lógicas? Essas só vieram depois... Na hora só deu pra sentir um misto de amor que dói, saudade que dói mais, uma sensação de impotência, de mãos atadas. Como um sol girando em torno do girassol, curvei meu caule até perder o carro de vista. Até romper o elo que efemeramente fiz com ele naquele átimo. Tão perto, tão longe.

Seguimos adiante. Toquei a vida, tocaram o carro, a lua nasceu.

Mas alguma coisa minha ficou ali. Alguma coisa que me é vital ficou presa ali, naquele carro. Ficou esperando que o dono saísse da hora extra no trabalho.

A Daniela que foi pro show do Beto Guedes chegou no destino faltando um pedaço. Mais um. Cada dia menos da Daniela. Como um eclipse. Estão tapando cada dia mais a minha luz. Um dia eu sumo.

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Pela primeira vez o branco não serviu como rebatedor. Ao invés de devolver toda a luminosidade que incidi nele, o branco absorveu toda a minha luz. Deu em troca a escuridão.

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