segunda-feira, outubro 28, 2002


Uma foto digital, e de repente ele está de novo no meu quotidiano. Num instante — o tempo exato que o computador levou pra carregar a fotografia dele — eu esqueci tudo e ele voltou a ser aquele homem que preenchia 37 da minha lista de 40 itens. Maior a memória do computador, menor teria sido o tempo para ele voltar pra mim.

Abro direto no Photoshop. Vamos brincar um pouco.

A primeira opção que dança na frente dos meus olhos é “Efeitos de Iluminação”. Mais apropriado, impossível. Experimentei todos os efeitos de luz nele. Iluminei seu rosto, escureci seu corpo, explodi o flash nas suas mãos, dei à sua aparência um quê de sacro.
Ctrl+Z. Undo. Desfazer. Sacro?

Como um Deus de saias, vou manipulando suas feições. Num clique do meu mouse-vontade, derreto seu rosto, transformo aquele homem num ente que só eu seria capaz de amar. Só eu, porque eu o fiz. Desfaço novamente.

Criadora contemplando a criatura. Num outro minuto, ele passa a ter a textura de um personagem de quadrinhos. Meu super-herói, meu vilão, meu bobo, personagem do meu gibi. Agora ele é um pôster. Meu rock star, ídolo desta mulher-adolescente, por quem enfrento multidões de outras mulheres-adolescentes, enfurecidas perseguidoras do mesmo sorriso que um dia foi meu.

A ferramenta “Plastificar” é a minha preferida. Corta o contato dele com o ar. Evita que o amor amareleça, mantém esse homem pra sempre assim. Meu. Selecionar a opção 3D me trouxe uma quase-surpresa: uma ligeira alteração o transformou num clone — 20 cm mais baixo, verdade seja dita — do Kiko, outro amor antigo.

Quase surpresa porque já o sabia parecido com o Zeca, cuja foto, pendurada no alto do meu quadro na parede, me censura: “Se era pra arranjar alguém tão parecido comigo, que a gente nunca tivesse se separado, então!” . Vc tem razão, Zeca... Vc nunca me fez sofrer como ele, nem quando arranjou uma namorada com o meu nome. Se era pra ter uma Daniela, que fosse eu, né?

Tem uma opção que não conheço pelo nome. Crayon Conté. Enrolo a palavra na boca, como degustador de vinho. Cuspo o Crayon Conté no rosto dele. Experimento, e sua foto se transforma numa imagem de TV com interferência. Se eu aumentar o “Nível do Primeiro Plano”, aumentam as interferências. Bom. Minha tela da “televisão” está cada vez mais borrada.

Cansei de você. Desta vez, quem vai te tirar do ar sou eu. Um clique no mouse-controle remoto e pronto: sua fotografia some, entra no lugar a logomarca da emissora. “Desculpem a nossa falha. Voltamos aos nossos estúdios...”

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—Daniela, sua mente é buraco negro. Ninguém sabe o tamanho, ninguém sabe o que pode sair daí de dentro.

Isso foi um elogio?


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