segunda-feira, dezembro 23, 2002

Uma babel na esquina de casa. Sentada num bar na beira da praia, abro o cardápio de idiomas e resolvo pedir todos.

Na mesa do meu lado esquerdo, um grupo de italianos discute sobre prostituição. Senhores italianos, peles crestadas de sol, olhos azuis, verdes, castanhos como avelãs derretidas. São olhos que já viram muito, as idades avançadas que os habilitam a falar com propriedade do assunto em questão. Por um momento eu me atenho somente ao fluido palavreado que ouço da mesa ao lado. Língua doce, melódica, que me remete ao passado não muito longínquo, onde as palavras em italiano serviam para me dizer o quão especial eu era. Os velhinhos, que parecem saídos de um um filme do Jean-Luc Besson, me devolvem, por um átimo de segundo, o piscar de olhos cúmplice do Paolo, a textura dos cabelos dele, o gosto do último café tomado no aeroporto, minutos antes do embarque.

Do outro lado, um diálogo em espanhol entre um casal gay. Quanta recorrência... Espanhóis e gays, já tive o meu quinhão para todo o resto do ano. Nem dedico os meus ouvidos ao exercício da bisbilhotice.

Atrás de mim, vozes rasgam o burburinho. Sílabas guturais, não entendo uma única palavra? Alemão! Alimento a esperança de que seja o André, austríaco que fala um portuñol perfeito. Viro pra trás e não vejo seus olhos brincando com os meus, azul no castanho, nem o ouço pedindo "por favor, você consegue um cigarro mentolado?" Não registro quem está atrás: volto para a posição original e fico degustando esse idioma estranho, áspero, que tanto me intriga. Um germânico tentando falar português é algo que me fascina: os artigos nunca casam com os gêneros, os verbos não fazem par com os tempos.

Nem os sotaques que ouço na minha mesa são os usuais: uma carioca, uma paulista, dois baianos, uma sergipana, uma gaúcha. Cada um com uma gíria diferente, com um maneirismo para particularizar a região de onde vem. As consoantes são ditas cada hora de uma maneira diferente, com e sem chiado, com e sem acentos circunflexos. De propósito (?) não entendo o que a outra extremidade da mesa quer dizer. Sorrio, faço de desentendida, e escapo da pergunta inoportuna. "No, ich no parlo su language!"

Volto pra casa mais cedo do que esperei. Tantos idiomas e dialetos diferentes me deram o álibi perfeito para mais uma vez não entender nada do que foi dito. Ou entender, mas sorrir educadamente, sacudir a cabeça e responder: "Sorry, no coins!"

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How the Grinch stoles the Christmas?

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