quinta-feira, junho 19, 2003

Depois desse amor instantâneo e solúvel, meu centro de gravidade mudou para um lugar que ainda não me é familiar. Mergulho no escuro, meu corpo despenca vácuo abaixo, e o atrito com o ar machuca. A pele lacra hermeticamente o coração. Caio, rodo em torno do próprio eixo, esborracho no chão. Sangro. Perdi o que nunca tive: equilíbrio.

Por isso vivo às quedas: não sei qual ponto me sustenta.

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Você sabe que está envelhecendo quando...

... o frio faz doer mais da metade do corpo!

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O contraponto é que uma constelação de 45 espinhas chegou no dia do meu aniversário. Devem ter gostado muito, porque até agora não foram embora. Adolescência tardia, para combinar com a minha imaturidade emocional... Não que seja novidade: estanquei o fluxo do tempo entre 16 e 26 anos, e comemorei, na verdade, 17 anos...

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E a daschund acordou agora, rolou dentro da almofada, e o mundo perdeu todo o sentido pra mim. A única coisa que me movia pra frente era a possibilidade de carregar aquela mal humorada no colo, esquentar suas orelhas compridas e deixar que cochilasse enquanto digito. Ela deixou que eu a salvasse da caminha maldita, que tolhia os movimentos desta ariana típica; nem por sonho encostei nas suas orelhas: se não estão doendo, não vou provocar a lembrança delas.

E quanto ao colo... Bom, mais uma vez nossos interesses divergiram. Eu queria dar amor, e ela preferiu correr o mundo-caixinha de surpresas. O que — novamente — não é nenhuma novidade: seria estranho se ela tivesse preferido o meu aconchego. Nem ela, nem ninguém.

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Ele sempre, sempre me encanta

"Era quase meia-noite e ia aquela família andando pelo acostamento, aparentemente distantes de qualquer habitação ou ponto de luz visível. E iam em silêncio, caminhando lentamente, soturnos e pensativos. Até as crianças iam assim. Graves e, talvez, um pouco tristes por terem que fazer uma longa caminhada no escuro. E eu pensei no quanto aquele menino, um deles, deveria se regozijar se conhecesse a poesia. A poesia torna suportável esses imensos diálogos interiores que longas caminhadas propiciam. E torci para que a poesia ou um carro, até carroça, salvassem aquela família. A tristeza deles pode nem existir mas eu a senti."

É quase o prólogo do meu projeto do livro de fotografias sobre estradas e personagens, projeto este que só compartilhei com o "Zé da Ema"... Ah, homem, eu casava contigo fácil, só para beber tua inteligência, saborear o teu lirismo e ter o prazer da tua companhia...

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