quinta-feira, junho 12, 2003

O que essa moça escreve é sempre lindo. Mas o que ela escreveu hoje é de uma lucidez — e me identifico tanto...

o topo
Uma das dúvidas mais cruéis da minha vida é:
Quando se chega no topo, o que vem depois?


Saí de casa aos 20 anos, um ano depois de virar mulher, para viver sozinha, por minha própria conta e risco. Aquela mania de ser independente e abrir mão do carro do papai, piscina do prédio e da comidinha da mamãe e máquina de lavar e bolo de cenoura.

Só tinha um pensamento na minha cabeça: subir, subir, subir e chegar no topo.

Passei então a encarar sozinha o que eu chamo de projeto-mor da felicidade: meu trabalho. Sempre quis chegar num momento onde as minhas idéias seriam ouvidas, eu teria reconhecimento, eu seria procurada, eu seria lembrada como a filha da puta que criou aquela comunicação foda e que deu certo e trouxe resultados e que revolucionou e todo mundo babou de inveja e eu lá em cima do topo dando tchauzinho e desprezando qualquer outro designer infeliz que pudesse se imaginar melhor que eu.

Fiz um bons trabalhos, tive ótimas idéias, trabalhei cinco anos feito camela, muitos tapas na cara, muitos esnobes, muitas noites sem sono e muitas transas que deixei de fazer por causa do meu envolvimento com o trabalho e com a perfeição de tudo o que eu conseguisse criar. Revolucionei, vi resultados, bateram palmas pra mim e lá estava eu sendo requisitada para projetos cada vez mais importantes, como nunca tinha sido antes. Depois de tudo isso, cheguei a conclusão que havia chegado no topo. Não o topo de um Everest, mas o topo que deveria estar neste momento, com a minha idade, com a minha experiência. O topinho-baby do topo-papis.

Acontece que chega um momento depois das medalhas e taças, que é o momento pra reciclar, renovar, repensar... e eu não tive esse momento. Começa dia, termina dia e eu aqui, nessa mesa infame, queimando calorias cerebrais, com os olhos esbugalhados, uma pac-girl engolindo todos os projetos sem mastigar. E claro, um projeto indigesto se alojou no meu estômago e toda vez que eu abro a boca ele diz: vá pra casa, suas idéias acabaram, você não tem mais criatividade! Você vai ter que me englolir!

Agora, quase meia-noite, véspera do dia dos namorados, estou sozinha na mesa (convertida em playcenter) de trabalho, e o barulho do ar-condicionado, pedi um disk-hamburguer-e-coca que já comi e estou tentando encontrar uma lâmpada mágica com um gênio que vai atender ao meu desejo e me dar idéias geniais e vou fazer um lance maravilhoso e amanhã às nove horas da manhã quando todos os chefes e clientes chegarem, eu terei o belíssimo trabalho prontinho pousado sobre suas mesas.

E depois disso, eu às nove e meia, exausta e com o cérebro latejante e palpitações e mãos pegajosas e testa enrugada de tanto pensar, rastejando para o taxi na próxima esquina, rumo ao meu lar-doce-lar para dormir por centenas de horas, perdendo o dia dos namorados e lamentando não ter o namorado nesse dia nem nos próximos. E dormir com a sensação de ter esquecido a minha suposta vida pessoal em algum lugar por aí... Mas feliz pois apesar de tudo, o meu trabalho vai estar maravilhoso e no dia seguinte, a sexta-feira 13, vão me dar tapinha nas costas pelo grande feito da semana e vão me desejar um maravilhoso fim-de-semana, mesmo eu sabendo que na segunda-feira tudo vai se repetir, que a cada semana eu envelheço mais cinco anos.

Por que não fui escolher outra profissão, oh my god???
Sei lá, qualquer coisa, dentista, bailarina, garçonete, esposa, professora...


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E depois de uma meia duzia de telefonemas da empresa pra qual prestei serviço no último mes, fica mais facil de perguntar: já que a vida profissional redundou nessa bosta, QUE MERDA FOI QUE EU FIZ DA MINHA VIDA PESSOAL?

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Vou vomitar minha frustraçao profissional ali e volto. E nem passe perto: nao vou desviar se respingar em voce!

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