sexta-feira, novembro 15, 2002

Meu prédio fica exatamente de frente para a Baía de Todos os Santos. Ter o mar tão a mão já me proporcionou o nascimento de alguns amores: navios de guerra, nuvens carregadas ao pôr-do-sol, as várias tonalidades da água.

Hoje o presente veio sem que eu esperasse. Chegando do bistrô, meio alheia; cabeça nas alturas, num planeta distante, num extraterrestre superdesenvolvido, que foi minha paixão literária em tempos outros. Yargo, o personagem perfeito.

Cabeça nas estrelas, na utopia de um planeta onde eu pudesse finalmente ser feliz. E como a personagem da Jacqueline Susann, ter o Yargo voltando. Voltando pq me ama, voltando pq precisa de mim, voltando pq uma metade não dorme sem a outra...

Voltando... Desci do carro, abri o portão, e quando virei pra fechá-lo... De frente pra mim, o rastro da lua no mar. Lua crescendo, bem ao gosto desta geminiana que já foi tão feliz em luas crescentes. Lua meio debruçada sobre o mar, brilhando, um misto de cristais de sal e cristais de luz.

Entrei no prédio, fui pro ponto mais alto do playground, inclinei o corpo em direção ao mar, numa tentativa infantil de me aproximar da lua, da sua esteira na água. Dei o rosto a tapa. Ao tapa do vento, ao tapa da maresia, ao tapa da lua. Deixei meus olhos se embebedarem do mercúrio escorregadio que se oferecia para o meu paladar.

Num instante fugidío, encostei meu rosto no veludo escuro que a lua — tão caprichosamente — bordava de prata. E nesse momento tão volátil, e só nesse momento, acreditei que dias mais doces viriam. Acreditei que aquele caminho que me conduzia pelo mar até a lua era um sinal.

Um sinal de que o vôo do meu dragão seria de fato um sucesso, um sinal de que os meus planos todos dariam certo, um sinal de que meus anos de "cãozinho filhote em pet shop, implorando para ser levado para casa" tinham finalmente chegado ao fim.

Um cheiro limpo, doce, de mar, com vento salgado, com poeirinha de brilho de lua, corroborou a teoria. "Que seja doce, que seja doce" , e o meu mantra, naquela hora, me pareceu tomado de um poder infinito.

Ergui a cabeça num orgulho pueril dos dias que estavam por vir, enfrentei o vento, perfilei o rosto com o mar. Aprumei a coluna num gesto involuntário de destemor insuspeito. Durante todo aquele enorme segundo de coragem, tive a certeza de que aquela era eu. Não aquele farrapo tímido, embusteiro. Eu era, sim, aquela mulher altiva cuja face pétrea a lua coroava.

Eu não contava com a nuvem. Num ritual de masoch, a nuvem foi cobrindo a lua num vagar exasperante. O meu caminho para as estrelas foi sendo apagado. Num golpe de misericórdia, a lua sumiu mais rapidamente por trás das nuvens.

Mar escuro, centelha alguma do que tinha sido o brilho da lua no mar convergia para mim. Como, em nome dos Deuses, meu Yargo acharia o caminho até mim?

Vim pra casa. Ainda não foi dessa vez.

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Quero capturar um cheiro que está engastado na minha pele. E ele dança na minha frente, bem embaixo do meu nariz, zombando da minha presuñção. "Como, Daniela, se estou em todos os lugares, e na verdade, nunca pertenci a você?"

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Triste. Eu vi as estrelinhas do meu starway caindo uma a uma, estilhaçando no mar. Pedaços de sonho...


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