domingo, abril 11, 2004

"AAAAAARGH, ESTOU VERMELHA!

E a temporada na ilha quadrada só tinha começado...

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Se não fosse ele, mal humorado que amo tanto, eu não teria ido. Zeba. Mas se não fossem eles, eu tinha voltado à pé da Praia do Forte. Léo, Nanda, Clari, Dani, Liz, Vini.

— Vamos para a praia?
— Vamos!


Num dos desenhos do Pernalonga, ele resolve ir à praia e se perde por baixo do caminho. Sobe num areal e desanda a correr para a água, gritando: "Miami Beach, Miami Beach!". Hooooooras depois, ele está um lixo, quase derretido, mas ainda correndo trôpego pela areia, e gritando: "Miami Beach, Miami Beach". Era o Saara.

Hoje tenho certeza de que ele também podia estar a caminho das Papa Gente, na PF. Anda, anda, anda, anda, e depois de muitos "anda", chegamos até a praia. "Ah, correr pra água e espadanar como criança!". Tolinha... Chegar à faixa de areia não significava chegar À PRAIA! Ainda tinham uns dez quilômetros pela frente, toneladas de areias escaldantes para os meus pés encostarem... E as tiras dos chinelos arrebentaram!

Por que, Deus, por que isso acontece COMIGO? Puta e meia da vida , consertei as porcarias — quando eu era pequena, o Chico Anisyo era o garoto-propaganda das Havaianas, e dizia que "não tem cheiro, não desbota e nem solta as tiras". Estou pensando seriamente em processá-lo... — e continuei as 15 estações da tortura de Cristo.

Vim acompanhando o comboio, quando de repente esbarro no Léo.

— Pô, não tem luz de freio, não?
— Uh... É que eu acho que a gente vai ficar aqui...


O "aqui" era o lugar mais inóspito da face da terra. Praia da moda. Acéfalos. Milhares de seres quase-humanos desfilando jóias, biceps, triceps, jogando frescobol!

— Deus, peço perdão pelos meus pecados todos. Isso aqui é demais pra mim.

ABSOLUTAMENTE nenhuma estrutura: nenhuma barraca, nenhum banheiro, e não sei de onde surgiram aqueles guarda-sóis. Ali não dava. Liz ficou na areia, depois de espadanar na água qual criança, e os sobreviventes resolveram andar até depois daquele amontoado de gente que se banhava nas piscinas naturais. Qualquer ser humano minimamente razoável sabe o que significa aquela poça d'água com uma cambada dentro: xixi, gordura da pele, restos de protetor solar, derramamento de óleo de bronzear.. Uma catásfrofe ambiental!

Fizemos o percurso Salvador-Namíbia por cima de pedras, corais. Chegamos numa poça interessante, e de onde estávamos, era só esticar o pescoço um pouquinho e ver as girafas de Botswana. Ah, Mãe África, tão perto...

***

Pense num cara puto. Daniel. Sentou a uma certa distância de mim, da Nanda e do Léo, e emburrou.

— Vamos embora? A gente compra cerveja, lá em casa tem um churras, ficamos de molho na piscina e esquece esse episódio nefasto.

Léo, acho que esse é um dos motivos que explicam porque amo você...

Vamos voltando por cima das pedras, ânimo renovado pela possibilidade da fuga (Putz, lembrei dos planos de fuga do "Primal Scream", qua aquela mocinha linda e brava comigo arquitetou..) Se não me apressasse, não daria tempo de participar da primeira bateria de corrida do saco, já que a corrida da colher na boca com ovo já estava nas semifinais....

No caminho de volta das pedras, e nem era O Mágico de Oz, o caminho não era de tijolinhos vermelhos, fiz o favor de rasgar a sola do pé. Divertido. Desclassificada da Gincana da Ilha Quadrada.

Volta, volta, volta, volta, volta e pára para tomar banho nos tubos que vêm do Projeto Tamar. Numa plaquinha: "Água Limpa". Claro, eles consideram a tartaruga um bicho limpinho... Porque aquilo era água que vinha dos tanques de tartaruga! Santa providência! Molhei o pé só pra ver se o machucado estava muito aberto. Depois é que fiquei ruminando se tartaruga transmite alguma doença que se pega pelo pé ferido.

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— Um peixinho?

Nãaaaaaaaaaaaaaaao! Eu não posso, não gosto e não quero peixe! Peixe, pra mim, só no aquário, e o último que tive quebrou há anos.

Mas o meu grito entrou nos ouvidos moucos dos meninos, e lá vamos nós, sentar naquelas odientas barracas entupidas de estrangeiros que vêm em busca de "Pelê, mulhatas, Escrava Isaura. Pobrecita de la escravita Isaura"...

Guaraná quente, pé doendo estupidamente, e cadê o paraíso azul de água doce que haviam-me prometido? Resignação, teu nome é Daniela.

Pede peixe, demora peixe, vem peixe, "só isso?", esfria, chegam Clari e Vini. Vini, cujo olhos nunca encontram uma nuvem: o céu — e a vida — são sempre azuis como seus olhos. Vini, de sorriso perene, inquieto, impulsivo, curioso, dono de todos os olhares dos arredores. Esfria mais, "vamos embora"?

— Você esqueceu do Souza?

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O Souza é um capítulo. Uma novela inteira. Um filme concorrente ao Golden Strawberry. Forte concorrente.

Toda aquela multidão que estava dourando os corpos naquelas areias escaldantes, todos aqueles que passaram o dia de molho naquela água mais imprópria pra banho que a Lagoa Rodrigo de Freitas, toda aquela gente estava lá. No Souza. Como chegamos cedo, tivemos a honra de sentar nossos traseiros por lá mesmo. O resto da turba, que levou hooooooooras fazendo chapinha no cabelo, vendo se os músculos estavam bem definidios, esses ficaram do lado de fora. Antiga rua do Vai e Vem, na Barra, com menos cérebros ativos.

Três contas depois, reabrindo a quarta, levantei para rodar. Vamos ver se tem alguém conhecido. Não precisei sair do Souza: JOÃO! João, que estudou comigo há exatos dez anos, está morando em Jacuípe sozinho, advogando com o pai, e não mudou uma vírgula. Três ou quatro anos que não nos víamos, mas carinho é carinho. A idéia veio num raio, coupe de foldre literal.

— John, posso passar uns dias na sua casa?
— Companheira Daniela, vou te dar uma porrada se você me PERGUNTAR se pode ficar na minha casa. Você participou da inauguração, você é minha amiga, a casa é quase sua, também.


Na profusão de abraços, de notícias, de histórias, ainda aparece Piaba com uma namorada que não conheço, o Thiago, que se juntou a nós, e por um tempinho eu esqueci da multidão que nos apertava de encontro uns aos outros.

***

Dentro do Souza de novo, 206 dias lá dentro. O inferno é a repetição. É viver todos os dias a mesma coisa, sabendo que a desgraça é iminente, que o acidente não poderá ser evitado, que o pagode vai continuar a tocar e que o dia seguinte será igual. Inferno é o dejá-vu.

O alívio para as dores veio numa conversa longa com a Clari, menina que eu adoro, que entendo, que admiro. O conselho mais sábio, mais lúcido, veio dela, bem como as palavras de ordem que impuseram uma certa organização naquele mundinho liderado interinamente pelo Deus Chaos. Eu. O mundinho era eu.

— Só desista quando tiver certeza. Você tem?
— Está esperando o quê pra telefonar?
— Você precisava ouvir as coisas absurdas que disse quando eu chutei o pau da barraca. Não, você não precisa, não. Você já ouviu...


Ela foi a Daniela que eu sempre quis achar e nunca achei. Ela deu o freio de arrumação na minha casa, entrou sem permissão, abriu as janelas, trouxe flores, me expulsou da cama para trocar os lençóis suados, me empurrou pro chuveiro, fez bolo, deu bronca, fez carinho. Ela foi pra mim o que sempre sou pros meus amigos e nunca tenho de volta. Soube o momento certo de pressionar, de parar, de flexionar, de voltar à carga.

***

Acabou. Deixamos Clari em Itacimirim, viemos em dois carros comboiados, rindo de bobagens lembradas e compartilhadas via celular. Minhas 400 músicas em MP3 foram controladas por mim no player do carro. Léo achou "Waiting in Vain" na sua bagunça musical. Nanda compartilhou seu CD de reggae maori. Paramos para comer no Bob's do Aeroporto. Liz em casa. Daniela desovada em casa. Obrigada.

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E no final eu não estava em lugar algum. O corpo estava na Praia do Forte, I was under the same stars, but in another place, sem um único ruído que fosse não bem vindo. Estava em casa, sob as flores azuis do edredon, em meio ao efeito da paz tarja preta. Parte de mim já estava em Jacuípe, de frente para o sol que nascia, parte minha estava na Inglaterra — e depois falo sobre isso. Parte minha não estava em lugar algum: errava por aí, sem saber exatamente onde parar.

Perdi a capacidade de me divertir por longos períodos. Estou deformada para outros prazeres e algumas pessoas.

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