sexta-feira, maio 24, 2002

A Mari comentou o post abaixo, e a pergunta me lembrou de tanta coisa que a resposta acabou virando post... Brigada pelo gancho, Maaaaaari!:o)

Amor irrestrito é aquele que sabe perdoar as falhas do objeto amado, e o mais importante, convive bem com elas. Não é ignorar os erros, coisa que a paixão sempre faz. É saber que esses erros existem e aceitar que o objeto de amor os têm. É não condicionar o amor à melhoria de qualquer item da personalidade, do vestuario, dos hábitos, das crenças, de nada. É amar pelo prazer de amar, seja amigo, namorado, pai, mãe, cachorrinho... É amar de olho fechado.

Eu passei boa parte da minha vida condicionando o meu amor a um tipo físico, a um certo nível intelectual, a um determinado padrão de comportamento. Perdi muito tempo tentando mudar um, dar um jeitinho no outro, aparar as arestas de um terceiro... Quem, ainal, sou eu, pra determinar qual é o certo? Quantas oportunidades eu perdi de encontrar um cara maravilhoso pra ser meu namorado, um amigo "pau-pra-toda-obra"? E tudo pq o homem em questão ou o candidato a amigo não preenchiam aqueles pré-requisitos que eu mesma havia estabelecido...

Há uns dois anos eu tinha uma colega de trabalho, Aleqüisandra (assim mesmo, com trema e tudo!), por quem eu nutria a mais forte antipatia. Ela pisou na bola comigo na primeira vez em que trabalhamos juntas, e quase joga todo o meu trabalho janela abaixo. Foi um erro grave, sim, mas eu superdimensionei. Resultado? Eu só via defeitos nela. Todos eles, os que ela tinha e os que ela não tinha.

Ela morava numa cidade distante 200 km de onde eu morava (Ela em Jequié e eu em Itabuna), e nossos acertos eram feitos por telefone, uma ou duas vezes por semana. Eu não tolerava nem a voz dela, as conversas eram um suplício. Comuniquei ao meu chefe o acontecido, disse que a nossa convivência (QUE NÃO EXISTIA!!) estava numa situação precária e pedi a cabeça dela. Vcs não têm noção do quanto me envergonho disso hoje, dessa postura arrogante, imatura (Entendeu, Mari, quando eu disse que esse blog era um exercício de auto-flagelo? Já imaginou o que é pra uma geminiana com ascendente em escorpião admitir que sim, foi arrogante, que sim, errou?).

Marcelo, meu gerente, pediu pra que eu desse mais um prazo para que ela se reabilitasse. Topei, totalmente descrente da redenção.
Numa conversa de botequim, na mesma noite, eu comentei com uma amiga que ia fazer um esforço enorme para gostar DE VERDADE da Aleqüisandra para queimar o karma todo nesta vida. Já imaginou ter q encontrar com ela na próxima encarnação? Meio na brincadeira, eu comecei a entoar "Eu tenho a capacidade do amor irrestrito, e como tal, amo todas as pessoas como elas são" em ritmo de mantra.

A mentira (?) repetida mil vezes vira verdade. Somado a isso, passei a viajar duas vezes por semana para Jequié, e nossa convivência realmente passou a existir. Comecei a descobrir que a Aleqüi era uma batalhadora, que tinha saído lá do interior do Rio Grande do Norte por causa de um sonho, o de dar certo. Me flagrei rindo das piadinhas dela, passei a ver que o que eu rotulava de puxa-saquismo era o esforço dela em agradar, não por eu ser uma pessoa que dentro da empresa tinha um cargo superior, e sim pq eu era eu. Só por isso.

Me dei conta de que eu realmente tinha aprendido uma parte da lição do amor irrestrito quando ela esteve em Itabuna para a reunião semanal e eu, pela primeira vez, a convidei pra o ritual de todas as segundas-feiras: a cerveja gelada no Bar do Senado com todos os representantes de todas as cidades onde tinhamos uma filial da empresa. E eu REALMENTE queria q ela ficasse. E mais: fofocamos como duas comadres velhas a noite toda, descobrimos mais afinidades, descobri mais dos bons valores dela. Ficou tarde, e acabei convidando ela e o irmão (que tinha vindo junto, já q a estrada entre as cidades era péssima, e Aleqüi, além de assumidamente barbeira, tinha um carro que estava estertorando) para dormir na minha casa.

MEU APARTAMENTO, meu sacrossanto refúgio, meu Castelo de Caras, onde só iam aqueles a quem eu realmente amava. Naquela hora eu descobri que realmente tinha conseguido amar aquela porrinha baixinha com todos os defeitos e qualidades que ela tinha. Só então conversamos sobre o incidente do primeiro trabalho, mas dessa vez eu não tinha como intenção servir a cabeça dela numa salva de prata. Eu queria que ela entendesse que aquele tipo de procedimento faria com que o sonho dela de crescer na vida fosse atrasado. Meu desejo de que ela mudasse não era egoísta, não era pra que eu pudesse me beneficiar profissionalmente de uma possível melhora dela. Queria que ela avaliasse a necessidade de alterar o modus operandi para que as coisas ficassem mais fáceis para ela mesma. E se ela não concordasse com o meu ponto de vista, a mim caberia apenas respeitar a decisão final. Mas não deixar de amar por causa de uma discordância.

A conversa funcionou, ela ponderou, seu trabalho passou a ser mais reconhecido, e eu, por outro lado, aprendi muito de estratégias de mercado com ela. Continuamos amigas.

Quando todas as bases da Bahia foram desativadas, ela foi a única funcionária da nossa região (que abrangia 10 subregiões, cada subregião com 10, 15 funcionários fixos e uns 80 prestadores de serviço) a ser reaproveitada em outro estado. Foi requisitada pela base da Paraíba, considerada base-modelo, e já viajou promovida. Ela participou do último ritual das segundas-feiras, dormiu lá em casa de novo e foi embora na terça.

A vida acaba fazendo jogo de empurra, e acabamos perdendo o contato. Mas podia ter sido pior. Eu podia ter perdido uma amiga que fofocava sobre "como fulaninho é bonitinho, né?", que dirigia (e aquele era um caso sem salvação...) mal pra caramba, que guardava o meu salgadinho preferido do meu boteco preferido em Jequié, e que sim, fazia suas cagadas, pisou na bola, bagunçou meu coreto uma dúzia de vezes. Podia nunca ter tido a amiga a quem amei irrestritamente.

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E pq a exigência do amor irrestrito tem sido recorrente?
Não sei. Talvez não tenha aprendido a lição direito, talvez eu tenha que tornar mais abrangente o meu conceito de irrestrito. Talvez seja essa a minha missão, de fato. Talvez eu tenha esquecido da história da Aleqüi, e por causa disso, venha repetindo os mesmos erros.
Fato é que tenho me encontrado, principalmente de um ano pra cá, em situações onde amar sem um único traço de egoísmo teria me poupado de mais da metade dos meus impasses. E em momento algum eu tentei entoar "Eu tenho a capacidade do amor irrestrito, e como tal, amo todas as pessoas como elas são" mil vezes até virar verdade de novo.

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Aprender a receber o amor irrestrito talvez seja a parte mais difícil da lição. Jones me deu amor irrestrito quando eu menos esperei; Lívia, uma amiga das mais queridas, me ama de olhos fechados, assim como Regina, Denise e tantos outros que me vêem errando e acertando todos os dias e mesmo assim dedicam um amor enorme. E eu ainda não aprendi a demonstrar o quanto essas pessoas significam pra mim...

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Mari, vc me fez chegar perto de chorar...
Assim não vale...

:o)

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Tá, post chato, excessivamente pessoal, cheio de auto-referências.
É nessa parte do filme que eu tenho q pedir desculpas, né?
Então tá, desculpa...

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Faltam 22 dias.



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