Daniela, o Prozac e a memória
Descupem-me os antiquados, os preconceituosos, os limitados: sou outra pessoa depois do Prozac. Aliás, sou uma PESSOA. Não tenho o menor problema em admitir minha farta utilização deste medicamento, pretendo usá-lo até o fim da vida, se nada de melhor for lançado.
Tenho, sim, problemas graves com depressão. Tenho, sim, crises de síndrome do pânico. Tenho, sim, traços de bipolaridade. E sim, só os MUITO próximos sabiam disso.
Tive a sorte de ter minhas crises de síndrome do pânico na presença de um amigo-irmão-alma companheira. E depois, no meio da pior crise de toda a vida, tive a sorte de ser amparada por um homem a quem pouco conhecia, mas que é dono de um senso de humanidade, de caridade, de carinho...
Foi uma noite inteira dividindo o quarto com esse homem, suando frio, de olhos arregalados, tremendo. E ele — que coração enorme! — me ouviu, acendeu incenso pra mim, ajeitou almofadas nas minhas costas, encheu canecas de água gelada para que eu pudesse continuar falando...
E não bastando isso, de manhãzinha, antes de sair pro trabalho, foi apanhar mais água pra mim, e veio com um comprimido de calmante natural, Valeriana. Foi a última vez que vi esse homem, que antes só aparecia na minha vida nos anos bissextos intercalados.
Por que das memórias? Porque agora, no pico do efeito da fluoxetina matinal eu sinto que nunca disse o quanto ele foi importante pra mim. Sim, vamos nos encontrar, ele continua vivinho da silva, e eu vou poder consertar. Mas tenho amigos mais próximos a quem nunca disse o que realmente significam pra mim.
Nunca disse pro Ernesto o quanto ele agrega na minha vida, mesmo que sumido eventual. Nunca disse pro Holden o quanto a ternura dele me faz uma pessoa melhor. Nunca disse pra Ju o quanto a acho brilhante, bonita. Já disse algumas vezes pro Felipe o quanto o amo, mas nunca o suficiente. Já deixei transparecer algumas vezes pro Zeba o quanto dependo dele, o quanto a vida fica sem graça sem ele, mas acho que nunca me fiz entender.
E por aí sigo, deixando de dizer tudo isso — e mais — porque o dia não estava azul, porque a umidade relatva do ar não estava adequada, porque Júpiter não estava num bom aspecto com Marte, porque o efeito do Prozac passou. Mas sigo. Sigo, singro, chego.
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