quinta-feira, abril 15, 2004

Chore, se puder - Danuza Leão

Eu amo essa mulher. Ela é meu modelo de comportamento, de literatura, de savoir vivre! Não é a mais linda crônica dela, mas estou fazendo backup dos meus arquivos do computador, que vai tomar bala amanhã, e achei esse texto. Mandei pra uma mocinha que foi a melhor amiga que tive durante alguns anos. A maldita tecnologia fez com que nos desentendessemos, e foi irreversível.

Mas isso já é outra coisa...




Há quanto tempo você não chora? Muito tempo, não é? E pensando bem, como era bom chorar.

Hoje, no máximo, os olhos se enchem de lágrimas - mas só numa cena emocionante de um filme ou de um livro. Por nossos próprios sofrimentos, quase não se chora.

Às vezes, contando um sonho ao analista os olhos podem até se encher de lágrimas, mas aquele choro grande que terminava em soluços, e nessa hora sempre aparecia alguém para dar um ombro - que era imediatamente aceito - e te abraçar forte, esse choro, faz tempo. E esse ombro e esse abraço também.

Nunca se soluça sozinho; tem sempre que ter alguém por perto para que o choro saia forte, sem pudor, bem barulhento e bem sofrido. É a certeza de que haverá alguém para nos consolar que permite que se caia em prantos - a não ser quando se é muito jovem, se vê o namorado com outra numa festa e se vai chorar no banheiro. E mesmo assim, se tiver uma amiga por perto é melhor.

Mas o tempo não pára de passar e os mais atentos sabem que se chora cada vez menos. Será que é porque já se passou - ou pelo menos se viu - tantas coisas tristes que chorar só por razões muito, mas muito sérias? Tem gente que no lugar de sofrer fica com raiva - o que é bem saudável.

Se você sofre uma injustiça, é caluniada ou uma amiga te é desleal, chora ou fica com muita raiva? É evidente que a segunda opção é muito melhor.

A raiva faz com que você se mexa, pense - numa vingança ou numa estratégia -, faça planos, se modifique, passe a ser mais esperta, mais rápida para ver e entender as coisas, mais inteligente e mais lúcida, com os pés mais no chão.

Já o sofrimento paralisa; os sofredores por vocação não conseguem fazer nada além de sofrer e terminam rodeados de pessoas semelhantes, para se lamuriarem juntas. Não que você não dê uma força a uma amiga que está sofrendo, mas certos sofrimentos têm prazo para acabar - a não ser para os que tiram, da infelicidade, seu prazer de viver. É, isso também existe, são as eternas vítimas, o que, aliás, já saiu de moda há alguns anos.

Mas por que é tão difícil chorar nos dias de hoje? Quando se é criança, até um tombo que deixa o joelho ralado faz as lágrimas saltarem. Hoje você vê pela televisão a tragédia de um menino sendo morto, se horroriza, sofre, mas não chora. Será um problema orgânico? Antes, o choro vinha tão fácil que era obrigatório que as mulheres levassem um lencinho na bolsa. Hoje, a não ser em caso de fortíssimo resfriado - e para isso existem os lenços de papel; os lenços de cambraia com o monograma bordado estão em via de extinção. Aliás, se você quiser comprar lencinhos para levar na bolsa, alguém poderia indicar um bom endereço?

Antigamente se chorava de tristeza quando um amigo viajava, de emoção quando ele voltava, até de saudades se chorava - dá para acreditar? É bem verdade que hoje o telefone ajuda bastante a atenuar esse tipo de sentimento, e assim sendo a palavra saudade - que se dizia com tanto orgulho que só existia na língua portuguesa - vai acabar saindo do dicionário, por inútil. E alguém tem tempo de ter saudades de alguma coisa, na correria em que se vive?

Mas estou sendo injusta, de uma coisa se tem saudades, sim: é do tempo em que se chorava. Não das razões pelas quais se chorava, mas pela capacidade não só de sentir como também de demonstrar o que se sentia. Hoje nos defendemos a tal ponto do sofrimento que fingimos não sentir mais nada, e de tanto fingir, acabamos não sentindo mesmo. O coração vai virando uma pedra, não se sofre, mas também se deixa de sentir um monte de coisas, como ternura, amizade, carinho, bondade, solidariedade, impulso de ajudar quem está precisando. E a razão é simples: ficamos cegos e não vemos que as pessoas em volta existem. E assim, para não sofrer, descartamos da vida também o amor, é claro.

Boas razões, aliás, para cair no choro.

Só que agora já é tarde.



Danuza Leão

Nenhum comentário: