quarta-feira, abril 07, 2004

Era pra ser mais uma rídicula carta de amor. Mas não é.

Tudo na minha vida sempre funcionou num tempo alheio ao real. As histórias de amor sempre tiveram um delay, as oportunidades profissionais entraram num vórtice temporal, e de tanto em tanto eram arremessadas de volta em mim.

E nada foi diferente, desta vez.

Pato. Rasguei dinheiro, cantei meus boleros, quis enlouquecer, atravessava as madrugadas com um soluço na garganta, empurrado para trás pelos cigarros que fumei seguidamente. Pato, dono do pior corte de cabelo que já vi, do sorriso mais perfeito que encontrei. Pato, que deu novo significado à expressão "fazer música", que sempre destoava de todo mundo no quesito vestuário: nem hype, nem hippie, nem yuppie. Pato, alheio a tudo, e que mesmo amealhando esse monte de defeitos, piscava os olhos inteligentes pra mim e me transformava numa poça sorridente.

Pato, que foi iconizado no meu pato de pelúcia antes mesmo de existir na minha vida. Ele, que levou uma vida para descobrir que aquela sensação estranha que ele sentia quando me via era paixão. Que só sabia que queria estar junto, que queria me ouvir rir, que adorava o cheiro misto do meu Rue de Pergolése e cigarro que ficava no seu carro, quando eu dava-lhe dois beijinhos, batia palmas e voava, portão de casa adentro.

Pato, que me fez apaixonar por cada piadinha infâme dele, por cada olhar de avelã derretida, por cada mão encostada na minha. Cai de cabeça na tigela d'água fria, contundi, resfriei. Apaixonei no momento exato em que ele jogou a toalha. No momento exato em que ele se encantou com uma loura pequena, linda e tão avoada quanto ele.

Deixei de ouvir alguns riffs de guitarra, música italiana, não respondia nem aos seus telefonemas, nem aos seus emails. Da queda, sangrei, para limpar os cortes, para deixar sair o excesso dele que estava em mim. Parei de usar o meu perfume preferido, mudei a marca de cigarro, adotei os mentolados, escondi o tão devotado pato de pelúcia. Emprestei o nosso filme preferido, passei a compor, sabia o que era uma caixa valvulada, apaixonei por Dick Dale. Revia as nossas fotos quase que obsessivamente, esperando que aquele rosto tão perto do meu respondesse o porquê de não estarmos juntos.

Sumi da história, e nunca mais foi visto o barquinho de papel que passava pela correnteza da calçada na hora em que eu chorei a última lágrima. Tchau, Pato, já guardei luto suficiente.

E tudo ia muito bem até agora. Até agora, quando uma alma caridosa (?) perguntou-lhe o que eu nunca tivera coragem de indagar:

— Se vocês gostavam tanto um do outro, por que não deu certo?

Choque! Ele nunca soubera que a paixão dele encontrava eco em mim! E todos os cheiros que ele sentiu voltaram, todas as horas de conversa jogadas ao vento, todos os dias em que nos procurávamos porque nos queríamos acima de tudo. Ele lembrou de todas as nossas brigas hercúleas, de todas as minhas risadas de escárnio que ele presenciou. De todas as madrugadas em que rodávamos devagar para a minha casa, porque sempre havia uma música que eu ou ele gostaríamos de mostrar ao outro. E finalmente o Pato se redescobriu apaixonado por mim.

Irônico. Engraçado.

Só voltei a usar o meu Pergolése em meados de dezembro. Parei de compor: agora, nem as minhas guaranias. Perdi o talento. Era efêmero. Reescrevi seu telefone no meu celular, já mando emails novamente — que sempre voltam, como se o destinatário tivesse se mudado —, abandonei os mentolados e o Marlboro. Voltei pras minhas duas paixões primeiras, que tanto tempo ficaram anuladas até que eu pudesse encarar os maços com naturalidade: Camel e Luckies. Comprei o CD da trilha sonora do nosso filme, e ouço vezes tão sem conta que acabei anestesiada com tanto azul, com tanta panflute. No meu périplo de sininhos não havia espaço para o Pato.

Eu fui até onde pude. Escoei o amor para não morrer de narcose, achando ainda que era a morte mais linda do mundo. Hemodialisei o meu sangue, tirei os traços que o Pato tinha deixado. Não sobrou nada além dos anticorpos que criei contra ele. Qualquer vestígio dele no meu corpo agora será sumariamente atacado, expulso, maltratado.

Não dá, Pato. Eu achei que só eu sofria de falta de timming. Eu tentei sustentar essa história até cair exausta. Eu sabia que um dia você ia descobrir que também vivia para cada respiração minha. Mas não deu, meu amor. Amor de mão única cansa, açoita quem ama, quem sustenta, envenena. E o meu ponto de satuação chegou.

Fim, pra mim, é uma vez só. E o nosso chegou.

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Obrigada. Não acho mais graça em p(r)ato nenhum.

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O dia em que eu parar de rodar o mundo, o dia em que eu parar de tomar sol e chuva, no dia em que eu parar, aí sim eu melhoro da gripe e do stress. Mas como eu ADORO dias assim...

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