sexta-feira, fevereiro 13, 2004

Eu deixei tudo para chorar.

Um toque do telefone serviu como despertador, e saí da decupagem para o mundo. De certa forma, só dei continuidade ao que já estava fazendo: editando, procurando pontos de corte, tirando o que não serve. Viver bem é exatamente como editar.

Saí disposta a passar a lima divina em um ou dois pescoços. Bom, talvez três, mas isso não vem ao caso. Enfrentei o sol munida apenas de um maço de cigarros. Tenho a impressão de ter levado mais uma bala pelas costas, mas sabe quando a pele já está tão machucada que tanto faz uma bala a mais ou uma a menos? Pois é, estou anestesiada, nem deixei minha tradicional curiosidade me mover para a frente. Não perguntei, não fiz questão de entender, não levei a questão adiante. Tenho coisas mais importantes para pensar. Uma coisa é fato: a verdade e as explicações sempre vêm para mim. Por menos que eu as queira.

Fingi uma alegria que não é minha, tomei hectolitros de Coca Light, fumei um maço e meio de cigarros das cinco às nove da noite. E não chorei. Quem tem quem se lhe cuide nunca fica desamparado. Eu tenho os meus, e agradeço todo o tempo por saber que o grosso das pancadas eles evitam para mim. E assim o foi: na hora em que eu achei que dali eu saíria amarrada numa camisa de força ("ou de vênus..."), me aparecem 3 anjos da guarda ("Sentimentos tão poderosos, que só poderiam ter vindo de Deus, levaram aos sentimentos mais condenados por Sua palavra."), um deles bem conservado pelas dobras do tempo.

Minha alminha companheira, e seu vestido colado com fita-banana, e sua compreensão secular, seu carinho sem medida, seu desvelo, seu aposentado tratamento de choque, sua quietude; Johnny, porejando inteligência e charme, perceptivo e receptivo e intuitivo, sabedor da minha vida como alguns dos mais próximos não o são. E o Lula, há 15 anos na minha estrada, com quem divido (e não sabia) colégio, faculdade, amigos antigos e histórias. 15 anos de idas e vindas, e ele nunca tinha me dito que me acha linda.

E o sol foi embora, as risadas continuaram, e eu, que fingia não sentir, que me esforçava para não lembrar, de repente me vi cercada de carinho por todos os lados, qual uma ilha de pessoinha. Eu, que estava isolada pela dor, vi tsunamis de compreensão muda espalhando as sacanagens dos dias que passaram.

Respondendo ao dilema Tostines, nem todo mundo é filho da puta. Tem sempre um anjo, ou dois, ou três, que redimem a raça humana. O problema é quando os filhos da puta são pessoas a quem aprendemos a amar de uma maneira tão desprendida.

Ainda dói? Dói. Mas os meus me cuidam. Agora é com eles.

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