sábado, abril 26, 2003

Dias que parecem cópias mimeografadas de uma matriz mal feita. Repetição, repetição, repetição, e admito: a culpa é minha.

Depois de semanas, fui ESPONTANEAMENTE até a garagem para um sol de cinco minutos, enquanto jogava a amada bola para a nem tão amada daschund. Há tempos vinha prometendo que a levaria para algo maior que a nesga de sol que ela persegue todos os dias.

Chata ela, com sua trimestral gravidez psicológica; chata eu, com meu (mau) humor de picles. Hoje nos rendemos. Nos deixamos vestir pelo calor do cobertor amarelo de sol; a pele formigava embaixo daqueles cristaizinhos dourados de luz.

— Nana, cachorro bom, dá a bolinha! — e ela voltou a ser a minha tão amada Naninha, que destrói bolas de tênis porque tem certeza de que o pai não a deixará desprovida do que ela ama e precisa. Por que é que eu não aprendo essas lições tão simples?

— Pode usar, Daniela, usa sem parcimônia porque você SABE que o Pai nunca vai te deixar sem.

Não, não sei. Estou sem muitas coisas das quais não poderia prescindir. Amor, por exemplo. Um bom namorado, esperança de dias melhores, conhecimento e oportunidade. Estou desprovida de sentimentos que movem pra frente; seja raiva, seja paixão. Não sinto, não vivo, não amo, não odeio, não nada. Sou um vaso que deveria estar cheio de mim mesma, mas está vazio de essência. Da Daniela sobrou a casca, e se soprar com um pouco mais de força, ela se desfaz. Não há viço, nem cor, nem flor. Há uma menina verdadeiramente Flicts, na cor e no coração. Cor de lagartixa abissal, que hoje resolveu pular por cima das fobias e proporcionar ao cachorro marrom a prometida tarde de sol.

E ela adorou. Melhorou seu humor, diminuiu as suas neuroses maternais, gastou suas unhas no piso áspero. Ela correu, perseguiu a bolinha de tênis, devolveu para que eu a jogasse de novo, correu mais... Esse pode ser o segredo de tudo: alguém a quem a gente ame muito, uma bola de tênis na boca, um dia de sol. Quente por dentro, quente por fora.

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Onde está a velha força que me movia? Que me empurrou para dentro de um avião sob a égide da incerteza? Que me fez aceitar um convite para mudar de cidade, de emprego, de vida, de status, de amor, em menos de 12 horas? Que me empurrou 400 km para cima da latitude 23 S, sem lenço (tinha a águia para secar as minhas lágrimas que não caíram), alguns documento, sem planos e sem dinheiro?

Nada. Não sinto nada. Nem raiva, nem amor, tampouco paixão, ou entusiasmo, ou medo, ou esperança. Nada. Vazia. Oca.

"Onde foi exatamente em que larguei naquele dia mesmo o leão que sempre cavalguei?"

Inverno, Calcanhoto

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Top Five: Lembranças da infância

1. Passear domingo na praça da República. Era um mundo verde, com patinhos, bolhas de sabão e quadros. Antes tivesse conservado essa recordação de floresta tropical. É pequena a minha praça, os patos não mais nadam por ali: foram substituídos por tartarugas que ficam mimetisadas nas pedras.

2. Lavar o quintal da frente de tanga. E escorregar no sabão, e deixar a espuma entrar nos olhos, e rir, gorgolejar com água, perseguir a irmã quase bebê com a mangueira, idem o cachorro, idem o papai.

3. Bianca no meu colo na excursão da escolinha. Eu, pouco mais de quatro anos. Ela, um ano e meio, cabelos pretos, olhos azuis. A boneca que eu sempre quis. Só calou o choro quando veio para o meu colo, passou os bracinhos pelo meu pescoço e me encarou com ares de adoração. Minha primeira experiência materna...

4. Meu dia de levar a surpresa. Ritual idiota, cada um tinha o seu dia para levar algo de casa, e os colegas tinham que adivinhar o que era. Ansiado dia em que teria meus 15 minutos de fama. Levei meu urso branco, substituto à altura do tragicamente perdido panda. Mamãe é que não entendeu o espírito da coisa: me deu o urso numa sacola transparente. Ah, por que eu não me queixei? Eu tinha dois anos, não atinava nada. Hoje eu sou Gabriela, Gabriela, ê, meus camaradas... Desculpa, foi mais forte que eu.

5. Esperar o Erik Estrada. Sim, todas as noites eu esperava que o Erik Estrada, dos CHIP's, fosse até o meu quarto, quebrando a parede da minha cama, me pegasse no colo e me levasse pra longe. Não, não tinha mais de 3 anos.

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