domingo, abril 27, 2003

Trabalho, diversão, paquerinha, mais trabalho, troca de informações, estudo de idioma.

Sim, trabalhar enquanto se conversa sobre música brasileira com um quiropraxista de Detroit pode ser divertido. Gente, mais uma profissão atípica? Quem aí conhece um quiropraxista, levanta a mão! Alguém? Alguém?

Bonito como um pecado, longe que nem o dia do Juízo Final. Juízo... artigo em falta na minha botica, que muito facilitaria a arte de sair de casa e interagir com seres humanos de verdade. Sim, eu acho que ele é de verdade, mas é uma verdade diferente. Um punhado de letras sem acento, y, w, k usados sem censura, uma fotografia mal tirada que o faz mais humano.

Jeffery... He was "wachting the waves", e fico imaginando que ondas ele só veria se olhasse para a esteira de espuma de um barco no Lago Michigan. Tudo bem, eu não estava vendo nada demais também. E vocês sabiam que a capital de Michigan não é Detroit; que é, sim, a Capital Mundial da Ford? Uau, que útil...

Não vou depreciar o meu primeiro movimento dentro desse tabuleiro enorme. Sim, eu adorei conversar com o Jeff, adorei falar sobre música brasileira, adorei traduzir "Velha Infância" para ele. E ele adorou. Adorei começar a aprender a sentir em inglês, tarefa na qual vinha falhando até na língua pátria.

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Essa mesa de computador nunca foi minha. É da mamãe. Jamais a escolheira: gosto de coisas mais cinzentas, mais etéreas; mamãe gosta de madeiras escuras, que dêem a sensação de segurança e estabilidade. O computador nunca foi meu. quer dizer: a prioridade é sempre dela. Esse no qual batuco agora é o que fica no meu quarto. Valente, esse menino. O primeiro computador da casa, resiste brava e heroicamente por mais de seis anos. A protomáquina só volta amanhã. Essa sim é oficialmente da mamãe.

Mamãe está viajando. Turismo em Goiânia, cidade para onde estive à beira de ir morar: meu ex-diretor preferido havia sido transferido para lá. Do início de abril até agora, quem mais usou a máquina fui eu. O Crivo Generoso, copydesk de um texto enorme, trabalhos com imagens, pura vadiagem cibernética. Dia após dia, semana após semana, fui imprimindo uma nova cara à estação de trabalho.

Hoje lancei um olhar alheio, de quem vê aquela balbúrdia pela primeira vez. Achei mais de mim sobre a mesa do que dentro de mim mesma. Os objetos me denunciam mais que os meus próprios olhos no espelho.

Um par de óculos com lentes verdes, de soldador, que uso com o ar mais blasé do mundo como óculos escuros. "Mundo, olhe pra mim!". Ao lado, meu frasco de Prozac. "Mundo, olhe pra mim mas não me condene!". Mais abaixo, meu maço de Hollywood mentolado. "Bom, mundo, pode me julgar. Tenho as minhas muletas branquinhas e refrescante para me apoiar."

Um em cada extremo, óculos de grau e caixa das lentes de contato. 10 de miopia no olho direito, nove no esquerdo. "Mundo, te enxergar é tão custoso...". No meio, as letrinhas do teclado, meu elo de ligação com a vida. Nas cercanias, bloco com número de IP de máquina, email de um amigo de Berlim, dois cinzeiros repletos de guimbas de cigarros, meu case de 24 CDs, que normalmente transporta 30. Uma caneta sem tampa dos Animaniacs, paixão de adulta, mesmo; um dicionário inglês-português e vice-versa, um lenço de papel para acudir a rinite.

Dois copos, um de 500 e outro de 600 ml. Vazios. Receptáculos do ar. Longe do cumprimento das suas funções. Estagnados, imóveis, sem fazer diferença na construção de textos, na composição da sala, na vida de ninguém. Apenas ocupando um espaço. Um espaço grande. Não sentem, não sofrem, as suas lágrimas-água já foram bebidas, estão secos. Por dentro e por fora. Como eu. "Mundo, estamos tão inúteis...".

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