segunda-feira, abril 14, 2003

Uma curva fechada. Dois carros parados á frente. Inevitável. Mais um acidente de carro no meu extenso curriculum.

Ele, ela, eu, dez da noite, Ondina. Tarde ensaiada no paraíso. Risoto, coca-cola, conversas, textos, literatura, amor.

— Eu te deixo em casa.

OK, meu anjo-ursinho, depois do golpe baixo para derreter meu coração, eu nem discuto.

Caminho de casa, "diminui o volume do som, por favor?", "eu acho que vou amoçar com você essa semana", pista molhada, temporada de chuvas em Salvador.

Foi de repente. Rosto contra a proteção de pescoço do banco da frente. Droga, eu sempre ralo o rosto no estofado quando sofro acidentes! Onde é o céu? Onde é o chão? Onde está Wally?

— COMO FOI QUE BATEU O CARRO? COMO FOI QUE BATEU O CARRO?

Calma, minha amiga anjinha multicor... Tá todo mundo bem? Toma um pouco d'água, acalma. Ernie, me dá a chave do carro pra eu procurar o triângulo?

Todos bem, uma dorzinha aqui, outra acolá, uma perna batida aqui... Chama a polícia. O carro causador do acidente evadiu. Ah, antes ele mandou a passageira entregar o cartão de visitas dele com o telefone. Nem desceu do carro. Fugiu. Aposto meu salário do mês que vem que ele estava bêbado.

Sobraram dois carros. Hora de encostar, desafogar o trânsito, esperar a SET. A pressão da Carol disparou. Três restaurantes à escolha, um refúgio temporário, um banheiro, um antídoto para a adrenalina que corria solta corpo afora.

— Vamos até a Pedra da Sereia?

De todos, o mais distante. Sem discussão, fomos. "Garçom, nós os acidentamos, podemos usar o seu banheiro um minutinho?"

Banheiro, água fresca na fronte, vai dar tudo certo, você melhorou? "Sua pressão sobe, a minha desce..."

Entram duas senhoras.

— Vocês precisam de ajuda, né?

Precisamos. Precisamos voltar o tempo e sair cinco minutos depois. Preciso que a pressão da Carol baixe e que a minha suba. Preciso que a perna pare de doer.

Rápido bate papo, era a dona do restaurante. Viu nossos vultos em direção ao banheiro, parlamentou rapidamente como garçom, chamou uma amiga e veio em nosso auxílio.

— Er... a gente faz um trabalho energético, Hairikari, e acho que vocês podem melhorar.

Carol foi. Eu não. Cão-de-guarda fiel, preocupada com Ernesto e seus questionamentos, esperando a polícia; preocupada com a Carol, meio aérea, pressão nas alturas. 15 minutos de manipulação energética, e minha amiga querida tinha nova vida. Mágico. Providencial. Encomendado.

Voltamos. Polícia de trânsito já lá, boa noite.

— Dani, me ajuda a preencher a descrição do acidente?

Formalidades encerradas, algumas piadas com o policial, com o dono do carro da frente, com a vida. Gargalho na sua cara, infortúnio! Eu sou mais forte que isso tudo!

Despedidas. O amigo do motorista do carro da frente foi colega de colégio da Carol. Coincidência que ajudou a tornar o ambiente até agradável. "Vamos, vamos mesmo processar o sacana do carro da frente". Tchau, a gente se telefona.

Papai chega. Abraços, abraços. Como esses três se gostam, papai, Ernesto e Carol... Olho para a pista, um carro parado atrás do nosso. Um homem alto caminha na nossa direção. Muito alto... e conhecido!

— Tá tudo bem, Dani?
— Fábio, sonhei com você essa noite!!!!


Meses, longos meses sem notícia dele, sem encontrá-lo. Amigo que veio com o Bruno, agora em POA, Fábio é ex-estagiário da TV Minha Casa, atual editor de lá. Um longo abraço, saudades mortas pelos braços do Fábio, saudades pisoteadas pelas pontinhas dos meus pés, ao me pendurar no seu pescoço. Isso já virou reunião social.

— Me liga, Fábio, acho que vou almoçar com você essa semana. Obrigada por ter parado!

Vamos acompanhando meus dois anjos até em casa. Radiador furou, motor esquenta, tarde a beça. Duas paradas para refrigerar o motor, água no posto de gasolina.

Carol em casa, Ernesto segue pra dele, estaciona. Desço do carro, abraço sem dizer muita coisa. Quase agradeço a Deus pelo acidente. Serviu para que ficasse mais claro ainda o quanto amo esses dois. "Me liga amanhã! Vai dar tudo certo."

Desabei na volta. A fortaleza que corre atrás de telefone de reboque, que liga pro Fê — que deu mais um motivo para justificar o tamanho do meu amor por ele — levar o documento do carro pra nós, que compra água, acende cigarro, abraça faz carinho, essa fortaleza ruiu. Um sono absurdo, pernas que não respondem, a clássica dor no braço, o olho direito só de enfeite. Em casa.

— Obrigada, pai!

Acabou.

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Sim, a perna ainda dói. Se não melhorar até quinta, volto no doc querido.

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E no final, o que eu precisava vomitar era o encontro com uma grande paixão, da época do colégio. Se não me der amnésia traumática, fica pra depois.

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