sábado, março 27, 2004

Mês. 1.

*sigh*

********

Pergunte pra qualquer criança que você conheça sobre o que ela quer ser quando crescer. Dou as pontas de todos os dedos se um, um só petiz disser que quer ser produtor.

E por que eu resolvi fazer isso da minha vida, Minha Nossa Senhora das Locações Repetidas? Por que eu não pude seguir minha carreira de juíza? Por que não médica? E se eu tinha que queimar o karma no audiovisual, por que não só direção de Criação?

Sobe, desce, faz plano, contraplano, anda, ouve piadinha do cara que convida para tomar uma cerveja. Um dia em que eu estiver mais azeda (mais que hoje?), eu sento mesmo e quero ver o que o idiotinha faz. Eu tenho escrito na testa: AVULSA? RETALHO?

Calor, água mineral meio quente, a lembrança da última locação no Pelourinho, que terminou com um chopp gelado no ponto e bem tirado, num bar árabe numa das transversais.

— Sem-Noção, não briga com o guardador!
— Sem-Noção, a gente vai subir essa ladeira mesmo?
— Me segura, caramba! Você está demitida do cargo de assistente de camêra! Não, volta!!! Eu vou cair, chefe!


Não, não caí. Mas é uma regra básica da cinegrafia: o câmera se pendura, o assistente que se vire para segurar. E eu estava pendurada numa mureta, precária, para pegar o melho ângulo. Já fiz a mesma coisa com uma câmera profissional, aqueles trens de 15 quilos. Pelo menos dessa vez era uma maquininha digital.

********

— Tem um lugar aqui que eu adoro, e vou ficar muito puta no dia em que a Vigilância Sanitária fechar!
— ???
— É feio, mas tem a melhor esfiha que eu já comi.


E lá fui eu, seguindo a minha coordenadora Joselita, para um boteco na Rua Chile, para comer a dita cuja. Jesus, me abraça forte e não me larga! Quando me dei conta, estávamos confortavelmente instaladas naquelas mesas cascudas de sujeira, comendo a tal esfiha.

Engraçado... Não vi um único gato ou cachorro pelas redondezas...

********

Dique. Não dá. Volta. Shopping. Desova material. Volta pro carro, agora pra casa. E eu chorei. Acho que a minha mentora nunca tinha-me visto verter uma única lágrima. E foi por causa de uma conversa inocente que tudo voltou. E me questionei sobre tudo, mais uma vez. E me perguntei o porquê. E não entendi. Não entendo, não tenho respostas, estou à deriva num mar onde eu não queria cair. Doeu. E ela, desarvorada, a fazer piadas para me fazer rir, sem saber lidar com aquela Daniela que ela não conhecia. Aquele trapinho choroso, encolhida em si mesma, aquele refugo dos dias melhores.

Era prevísivel que isso fosse terminar assim. Dia estranho, especial, elétrico, pesado das lembranças que vão-se avolumando como nuvens antes de tempestade. O dia de ontem foi atipicamente feliz. Uma felicidade que beirava a histeria. Dava pra desconfiar.

Eu não sei porque as pessoas me acham tão forte. Acaba que eu carrego responsabilidades que não são minhas, dores que não me dizem respeito; compro brigas que não me interessam, viro alicerce dos outros quando não aguento nem comigo mesma. E sempre, sempre sorrindo:

— Claro que sim, você pode contar comigo! Eu seguro essa barra contigo!

Idiota. Estúpida. Burra. Cansada. Mas passa.

********

Ou arranjo uma atividade lúdica e absorvente, ou tomo dois sossega-leão e vou dormir até segunda-feira.

********

Mas o saldo dos trabalhos com essa amiga é sempre positivo.

********

— Quando, Dani, quando você vai voltar a ser feliz?

Não sei, minha amiga. No dia em que eu aprender a dizer não, a não ser tão flexível, no dia em que as porradas vierem e forem devolvidas. Mesmo que não me dê satisfação em rebater — porque eu invariavelmente me arrependo da revanche — mas que respeite a básica lei de Ação e Reação.

Nenhum comentário: