quarta-feira, março 24, 2004

Quero carta escrita à mão.

Quero ver as variações de emoção em cada trecho em que a letra muda, quero marcas de suor do braço que fez o suporte para o papel não voar. Eu não conheço a letra de alguns dos meus melhores amigos, de alguns dos homens que passaram pela minha vida, de algumas das pessoas mais importantes que tive. Não sei como o "A" se floreia, nem se o "E" tem as curvas gregas, se a letra "J" se parece com a letra"I". De alguns, só conheço a preferência por Verdana 10, ou Times 12.

Quero sentir uma reminiscência de perfume no papel, quero gota de lágrima borrando a tinta da caneta de pena, quero letra tremida do não saber como continuar. Quero cartas prolixas, detalhadas, que venham em envelopes gordos, com muitas páginas, como uma conversa em azul e branco. Quero ver o fluxo de pensamentos em borrões, rasuras, setinhas, desenhos aleatórios na borda do papel.

E as marquinhas? "Orelha" no canto direito inferior, onde o cotovelo insiste em passar e deixar dobrada aquela pontinha pautada. Marca de café que respingou, do catchup que caiu, da cinza dos cigarros contumazmente consumidos para dar força de continuar. Quero sentir a gramatura do papel, quero ouvir barulho de folhas manuseadas, quero o eco da música que tocava na hora exata do pingo no i.

Quero flores secas dentro do envelope, cartinhas dos filhos adicionadas às pressas, com desenhos que só eu e os pequenos entendemos. Cansei da imaterialidade duplo-clique. Quero o aviso do correio gritado, ao invés daquele som sintetizado e daquele envelopinho icônico espetado na barra de tarefas.

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