quarta-feira, março 05, 2003

Não, é só um cisco...

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Minhas lágrimas me ameçam, cílios de Bava (ou Argento? Ou Mojica?) que me ferem a cada piscadela. A alma dói. Águas de março que fecham o verão, expulsas pelos meus olhos, e que se misturam com a chuva que eventualmente cai. Lágrimas que insistem em se agrupar na borda do olho, espiando para baixo, curiosos olhinhos que analisam atentamente a possibilidade de abrir uma trilha pelo meu rosto. Bons caminhos para essas aventureiras: profundas olheiras, marcas de tempo e insônia vão formando o terreno adequado para a prática de esportes radicais. Chorar, por exemplo.

Todas amontoadas por cima das outras nos cílios, esperando que a primeira pule para que todas sigam o caminho rumo ao desconhecido. Ainda não. "Lá embaixo, o mundo cruel é tão chatinho". A dona dos olhos está fazendo um esforço brutal para que as pestinhas das gotinhas não façam a trilha do seu rosto em direção ao colo. Uma delas escapa, desabalada carreira bochecha abaixo. É contida na altura do meu sinalzinho no malar direito. Um dedo-de-guarda fez com que ela fosse esfacelada de encontro ao meu rosto. Inconfidente, que isso te sirva de lição!

As lagriminhas começam a se dispersar pelo olho, como fim de festa de largo. Cada uma pra um lado, voltando, se acomodando. Deixa o trekking facial para outro dia, em que a dona do terreno esteja mais disposta a colaborar.

Bobas... Se tivessem descido todas, eu não teria feito o menor movimento para contê-las. Todas juntas são mais fortes que eu sozinha. O que mata é lágrima metida a mártir!

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Até beijo de novela me faz chorar. Matéria de jornal sobre mães que perderam os filhos. Último dia do carnaval (E EU ODEIO CARNAVAL!). A sensibilidade do Alexandre Leal, repórter da TV Bahia. O Tempo e o Vento, com Tom Jobim e Danilo Caymmi. Nana dormindo ao sol. Indefinições da vida. Constatação de que estou magoando alguém de quem gosto muito. Procurar o comercial da Brahma (o da bolhinha que estoura, antigaço) e não achar. For everyone, filme da Coca-Cola. Estar ouvindo Tonight is what it means to be young, e ver que na seqüência vai virar Iris. Céu azul demais. Não achar Streets of Fire pra comprar.

Estar sozinha. Saudade do que eu não vivi. Inapetência absoluta, e ver a mamãe fazendo comida (quem conhece a minha história sabe o que isso significa). Saudade e preocupação com a minha irmã de alma. Necessidade quase física de passar horas com um litro de café, dois maços de cigarro e uma conversa com o Catclown. Saber o destino mas não o caminho. Falta de dinheiro. Não ter com quem conversar sobre o que mais me dói. Estar cercada de pessoas, e sozinha, sozinha. Sozinha de corpo, sozinha de alma, sozinha de espírito, sozinha de cúmplices.

Vontade de desistir. De deixar pra lá. De parar de lutar (pelo que, finalmente?) . Vontade de fugir de novo, de me esconder, de sumir, de mudar de nome, de endereço, de problemas, mudar de amores — e desafetos —, de passado, de presente, de futuro.

Vontade de sentir "eu te amo", e encontrar eco. Eco nos olhos, eco na alma, eco no corpo. Vontade de um longo abraço, da sensação de pertencer a algum lugar. De pertencer a alguém. Vontade de esconder meu rosto num pescoço que me ame, e lá deixar as lágrimas correrem. Vontade de abrigo, de cuidado, de carinho, de preocupação, de zelo. Vontade de dormir abraçada, cabeça no peito, enfim uma noite de sono tranquilo, sem pesadelos que me assombrem. Pernas enroscadas, cheiro vago de sabonete com loção de barba, conforto. Vontade de um domingo em casa, dividindo o jornal, café da manhã tardio, pijamas o dia inteiro, conversas a vida inteira.

Vontade de nascer de novo. Outra. Vontade de começar do zero. De terminar por aqui.

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